sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Barbra Streisand e Dylan regressam


“Release Me” é o novo título na longa discografia de Barbra Streisand. O álbum, que chega às lojas a 9 de Outubro (o vinil estará disponível mais cedo, a 25 de Setembro), reúne 11 canções que, ao longo de cinco décadas, foram sendo preteridas dos alinhamentos pela cantora. “ I think it's going to rain today “ é o tema de apresentação. A canção foi gravada em 1971, com Randy Newman ao piano (e a cantar, também). Tal como as restantes, permanecia inédita até aos dias de hoje (pelo menos oficialmente). Nesta Terça-feira, foi divulgada online, para que os fãs de Streisand pudessem ter uma percepção do que os espera.


BOB DYLAN ESTREIA NOVO ÁLBUM
"Duquesne whisle" é o primeiro single de Bob Dylan, retirado do seu 35º álbum de originais. "Tempest", o 35º disco de originais de Bob Dylan chegará ao mercado nacional no próximo dia 10 de Setembro. Produzido por Jack Frost, o disco inclui 10 novos temas e já está dísponivel em pré venda no iTunes. "Tempest" sucede a "Together through life" de 2009 e celebra também o 50º Aniversário da carreira de Bob Dylan, cujo disco homónimo foi lançado em 1962.



" Early Roman Kings", outra canção do mesmo  Álbum, realça a genuína e inconfundível voz de Bob Dylan.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Não havia tréguas


Agendas
"Recorda que naquele dia, tinha chegado a casa particularmente cansada. Não sabia porquê, gratificava-a o que fazia naquela cidade onde não sabia se queria ficar a viver para sempre. O que era sempre, o que queria dizer sempre senão um levantar de cercanias próximas, de impedimentos opacos, um esquecer das agendas que nela se iam criando à medida que tocava uma melodia telefónica, escondida em qualquer saco.
Nunca estava sem trabalho. Às vezes era Amu que lhe recebia telefonemas, às vezes mails, raramente lhe vinham bater à porta e disso ela não gostava, de ser pressionada por um toque de mão, de ver-se fechada num olhar que não aceitava recusas.
És o irmão que não tive, dizia-lhe muitas vezes. Eram da mesma idade e partilhavam a casa que uma amiga lhes tinha confiado ao ir para fora por tempo indeterminado, largando um trabalho certo na loja de um padrinho, uma rotina segura para seguir um fio intuitivo, o apelo incerto, um lugar longínquo. Agora, nem ela nem Amu sabiam do paradeiro da dona da casa e tinham de a deixar envelhecer na fachada e nas paredes, apenas remendando uma ou outra janela, uma ou outra telha, um ou outro cano.
Chegou a casa cansada, adormeceu. Pensou antes de adormecer, embalada a olhar para as vigas no tecto, que todo o mundo à sua volta, prestes a deslizar para o lado, era um grande abrigo provisório, a respirar nas suas brechas. Sentia-lhe o ritmo tranquilo, como um deserto reduzido a uma paisagem interior, como um quadro recebido como recompensa por ter desertado de uma outra casa, onde se bebia e jogava e defraudava e a que tinha chamado familiar.
Amu correu a acordá-la sem bater à porta.
Ofegava.
A minha prima, ontem à noite. Morta no passeio, ao pé do terminal do autocarro. Não tinha documentação e os irmãos dela andam a monte. A polícia acha que foi mais um desses ajustes de contas para salvar a honra da família. Ela tinha feito a escola superior de educação, dava aulas, fumava, usava saltos altos e roupa apertada, não punha lenço nem para as reuniões familiares de fim de semana. Dizia que queria viver como no país, como tu, como eu.
Lembrava-se dessa primita pálida e escura, tão aplicada no estudo de tantas línguas e que disse uma vez a brincar que queria estudar para espia.
Lembrava-se que lhe respondeu: para seres uma verdadeira agente secreta tens de ser mais romana em Roma.
Em Roma, ou em Bizâncio, devolvera a outra. Já reparaste que em todas as cidades divididas é a parte oriental a sacrificada?
Estás a ser injusta, muito injusta.
Amu interrompera a conversa e ela já não teve oportunidade de explicar à outra qual a injustiça que queria dizer. E agora não a sabia dizer. Talvez preferisse não acordar, para o inevitável juízo de águia, para o corte de lâmina entre a vergonha e a culpa, entre a honra e a responsabilidade, entre a tribo e o indivíduo, entre a bola de arame e feltro de tradições cruzadas e o ar livre das opções solitárias.
Pesou-as, afagou-as, eram só imagens, a da primita escura e magra, a da dona da casa de roupa a flutuar e sempre com um dito jocoso sobre a roda do mundo. Tinham estado ali sentadas à mesa do jardim de inverno, em tempos diferentes mas não muito distantes. Tinham cozinhado, temperado para ela e para Amu e para outros que se perderam no limar dos dias mas que agora talvez fosse necessário recuperar para a cena; que cena?
Acendeu uma vela, enrolou-se em lã e cabedal preto. Lembrou-se de ter visto dias antes na televisão uma actriz, que fizera um estágio em palcos americanos, afirmar que o preto já não era o traje de trabalho curvado no campo das nossas avós mas o hábito quotidiano das netas nova-iorquinas.
Perfumou-se, embalsamou-se para sair com Amu, deu-lhe o braço e seguiram pela neve, como dois bonecos desarticulados de todos os fios conhecidos, com os dedos enregelados para agarrar os fios que imaginavam ver no ar.
Pararam em cima da ponte. O rio não tinha gelado, o sol espalhava-se no céu friorento e translúcido. Só então reparou que Amu se tinha esquecido das luvas e ofereceu-se para lhe massajar os dedos, enquanto as gaivotas piavam ao sobrevoar um barco que passava por debaixo da ponte.
Não havia tréguas. Tão-pouco sabia como retomar a guerra.”
Teresa Salema In “ Mulher na Guerra”, Antologia de textos on-line da autoria de escritoras portuguesas e africanas de expressão portuguesa do P.E.N. Clube Português

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Palavras proibidas

Cristina Branco dando tom às " Palavras proibidas" no silêncio do Fado.



Levou-te a noite e partiu
Em duas, uma palavra;
Ficam sempre retalhadas
As palavras que são ditas
Para ser adivinhadas

Porque o avesso das palavras
Que em duas são divididas
É o eco distorcido
Daquilo que não dizemos
Das palavras proibidas

Levou-te a noite e deixou-me
Memórias inacabadas
E segredos pressentidos
E o silêncio no lugar
Das palavras murmuradas

E o silêncio das palavras
Mal esboçadas entre nós
Anda a gritar o teu nome
Pelas esquinas das ruas
Por detrás da minha voz.

Letra: Maria Duarte
Música:  Custódio Castelo

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Poesia da Resistência



LIBERDADE

Bandeira mutilada 
onde enrolaste um coração de pássaro.
Se foi para abafar o canto
e a voz de um povo,
pois que se faça amiga da revolta.

Liberdade 
é o teu nome
e toada dos companheiros em marcha.

Liberdade, liberdade...
este auto-conhecer-te
faz-se em meu peito o mais imenso respirar.

Primeiro tu foste a  inocência
correndo pelas areias ensolaradas do meu mar,
correndo no pátio dos recreios
no bairro operário onde vivi
e na praça principal da minha infância.

Depois  foste minha rebelde bandeira
e a mágica certeza na adolescência do meu ser.
Tu me trouxeste a paixão e a fantasia
e aquele sonho imenso de ser marinheiro um dia.

Mais tarde
a história me mostrou que era ainda maior tua beleza,
e me ensinou a escrever teu nome
na saga gloriosa de Espártaco,
no martírio heróico de Tupac Amaru e de Caupolican
e no exemplo imperecível dos Inconfidentes.

E assim... de busca em busca,
na biografia dos heróis, 
pelas páginas da poesia
e pela verve da eloqüência,
tu te abriste, dia a dia, como uma rosa no meu peito...
e depois, quando a pátria cavou suas trincheiras,
como um corcel de luz,
ressurgiste na aldeia de minh’alma,
com teu galope indomável
tua resistência
teu rastro clandestino
e me trouxeste tuas cicatrizes
tuas amarras rompidas
e o teu sonho inabalável.

E desde então marcho nos teus passos...
e éramos dez, éramos cem, éramos mil...
e eras então o ar com que respiravam os ideais de um povo inteiro...
e no coração do nordestino eras a esperança do pão,
da água e da terra repartida.
Eras tu que no sul comandavas a greve,
o comício e a passeata...
cantávamos contigo a canção popular...
eras tu que inspiravas a arte, o teatro e a poesia...
tu eras em toda a nação a véspera de um amanhecer inadiável.
                                                             
Subitamente...
te atiraram ao chão...
e te pisaram...
te torturaram e te baniram.
E como Prometeu,
foste acorrentada a estes anos de martírio,
onde uma hierarquia de abutres  se sucede e te devora;
e sentimos em nossas entranhas
a tua própria  entranha devorada.

Um murmúrio apenas é hoje o teu nome na solidão da pátria...
uma legião de sombras te observa
segue teus passos
te vigia nas ruas, nas casas, nas escolas, nas fábricas...
mil línguas mercenárias delatam os que te pronunciam
teus lábios de rocio... há sete anos amordaçados
tua boca bebendo a taça do tormento
teus punhos algemados
teu corpo flagelado
teu nome silenciado com o grito dos caídos.

Liberdade, liberdade...
um pedaço de ti sobrevive aqui,
na intimidade e no lirismo do meu canto.
Em alguma parte da América,
por essas terras e montes,
apesar dos meus pesares,
cantam os rios  e cantam as fontes...
mas eu canto a negra angústia
por teu sangue...liberdade
na minha pátria ferida.
E aqui, à beira desse longo caminhar...
aqui onde por ti caíram Hidalgo, Morelos e Zapata,
daqui convoco meu povo emudecido
para recompor teu semblante massacrado.
Liberdade, liberdade...
suprema promessa da esperança...
tu  serás ainda a terra por inteira repartida,
os campos finalmente semeados
e o nosso sonho a dançar nas espigas onduladas pelo vento.

Na imorredoura certeza do amanhã
renascerás como raiz ardente;
e no seio de uma primavera palpitante 
tu crescerás como uma árvore de beijos
para seduzir os homens, as aves e as estrelas...
e,  flor da insurreição
irás desabrochar no retalhado coração dos oprimidos.

Liberdade, liberdade...
lâmpada do abismo, estandarte de luz,
melodia do vento na rota das aves peregrinas,
barca misteriosa do destino
a singrar... sempre a singrar
formosa e impassível em busca do amanhecer.

Liberdade... ó liberdade...
hoje somos apenas os guardiões de um sonho
os que sustentamos em tantas pátrias a bandeira da bravura
hoje somos os guerreiros do silêncio
para que teu hino possa  ser entoado com alegria pelos filhos do amanhã.

                                                         Cidade do México, fevereiro de 1971

Manoel de Andrade, poeta brasileiro, in “Poemas para a Liberdade”, Ed. Escrituras, S.Paulo

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Poesia em cativeiro


Miguel Torga e o Aljube

“Falta-lhe a liberdade.
Só essa dor lhe dói.
Mas só por ela há-de
Não ser o ser que foi.

Do poema “Canção” escrito a 30 de Dezembro de 1939 na Cadeia do Aljube (in “Diário – I” , 4ª edição revista – Coimbra 1957)


Entre muitos outros intelectuais que passaram pela cadeia do Aljube durante o regime do Estado Novo, encontra-se Miguel Torga aí encarcerado no início de Dezembro de 1939, por três meses.
No livro “Miguel Torga – Fotobiografia” de Clara Rocha lê-se:
“1939 (…) Edita “O Quarto Dia” d’ A Criação do Mundo, um dos poucos testemunhos sobre a Guerra Civil de Espanha que em Portugal foram produzidos a partir de uma vivência in loco e publicados durante o conflito. A descrição crua de uma Espanha devastada pela luta fratricida e dominada pelo franquismo, e também uma Itália arrebatada pelos discursos de Mussolini, leva Miguel Torga às cadeias de Salazar. O livro é imediatamente apreendido, e o autor é preso em Leiria, e depois levado para o Aljube.
… É também na cadeia do Aljube que compõe, a 1 de Janeiro de 1940, um dos seus mais conhecidos poemas de resistência, “Ariane”. “


Exactamente um mês depois, a 1 de Fevereiro, escreve “Claridade”. Mas já antes escrevera “Exortação”, ainda na cadeia de Leiria, e, também no Aljube, “Lembrança”, "Pietà" e “Canção”, em datas anteriores aos já citados.

Lisboa, Cadeia do Aljube, 1 de Fevereiro (1940)

CLARIDADE
Clareou.
Vieram pombas e sol,
e, de mistura com Sonho,
pousou tudo num telhado…
(Eu, destas grades, a ver,
desconfiado.)
Depois,
uma rapariga loira,
(era loira)
num mirante,
estendeu roupa num cordel:
Roupa branca, remendada,
que se via
que era de gente lavada,
e só por isso aquecia…
 (in Diário – I , 4ª edição revista – Coimbra 1957)

Para quem esteve na cadeia do Aljube, este poema tem um significado muito especial, pois Torga mais do que nos dar uma ideia da visão que se tinha através das grades, transmite-nos uma ideia precisa do que é o tempo dos presos com pequenos gestos do dia-a-dia a serem motivo de uma apreciação cuidada e a terem um significado e uma representação inusitadas ao nível dos sentimentos: “…Roupa branca, remendada, que se via que era de gente lavada, e só por isso aquecia…
Esta visão, no entanto, não era possível a partir dos chamados “curros”, provavelmente ainda não construídos naquela data. Estes só possibilitavam a visão da parede da Sé e, mesmo assim, era preciso que o postigo da porta interior, estivesse aberto. Não há unanimidade quanto à medida correcta dos “curros”, pois parece que não teriam todos exactamente as mesmas medidas. A descrição do padre angolano Joaquim da Rocha Pinto de Andrade, citada por Irene Pimentel, é bastante elucidativa e corresponde perfeitamente à memória que tenho dos tempos que ali passei.
Diz ele que esteve preso «numa enxovia estreitíssima, de um metro de largura por dois de comprimento, onde a luz e o ar entravam por um postigo de 15 x 20 cm., filtrados através de duas férreas portas, postigo, aliás permanentemente fechado». A «tarimba que lhe servia de cama era apenas provida de um enxergão sebento, duro como pedra, sendo proibido usar lençóis. «Sentado na tarimba, os joelhos roçavam a parede», isto tudo na penumbra.
Isto significa que só ali cabia uma pessoa e apertada. Ora a designação de “curros” deriva da sua semelhança com os curros das praças de touros onde o espaço é à justa para um animal. As medidas citadas por Pinto de Andrade devem ser as mais próximas da realidade.
Mas se estas condições falam, só por si, da violência física do encarceramento, torna-se essencial acrescentar as condições de vivência no seu interior que constituíam uma verdadeira tortura psicológica. Desde logo o total isolamento do exterior, muitas vezes nem a luz do sol se vislumbrava, e o total despojo de qualquer bem pessoal, mesmo de um relógio. Como tudo nos era retirado à entrada, incluindo os atacadores e o cinto, nos poucos passos que davamos tinhamos de segurar as calças com as mãos. As visitas de familiares eram raras e escrever-lhes só uma vez por semana, quando autorizado. Mas aquilo que mais nos torturava era a ansiedade da chamada à António Maria Cardoso para interrogatórios, sempre que sentiamos o portão de grades do corredor a abrir-se, os passos do guarda a caminho do “curro” onde estava o companheiro que vinham chamar e o fechar dos postigos abertos à medida que avançava. Até que parava e se ouvia por todo o corredor esta frase terrível, “Prepare-se para ir à sede”, ou “lá acima”, ou “à António Maria Cardoso”, como se houvesse alguma preparação a fazer. E de imediato um turbilhão de ideias e nomes prespassavam pela cabeça. Quem será? Será Fulano? Também estará preso? Alguns faziam perguntas estúpidas aos guardas só para que se ouvisse a sua voz e pudessem ser identificados. E esta tortura durava dias e dias, semanas e semanas seguidas, mesmo meses, até que chegava a nossa vez.E outro e mais duro suplício começava.
“Mas eu é que não pude ainda por meus passos
Sair desta prisão em corpo inteiro,
E levantar a âncora, e cair nos braços
De Ariane, o veleiro”
Do poema “Ariane” escrito a 1 de Janeiro de 1940 na Cadeia do Aljube (in “Diário – I”, 4ª edição revista – Coimbra 1957) "
(Artur Pinto com a colaboração de Margarida Sousa Reis, publicado no Diário de Notícias) Fonte: “ Caminhos da Memória” 

domingo, 26 de agosto de 2012

Ao Domingo Há Música


O Dia de descanso

Levei minha filha ao parque
e era Domingo.

Pelo Domingo, o parque
fica como o jardim do paraíso,
abertos os portões e nenhum deus.
Tudo inocência
entre verdura e saibro e cavalinhos
cabalisticamente numerados
até sete.

Levei minha filha ao parque
e era Domingo
e não havia o anjo com a espada de fogo.

Não que na minha filha
cuidasse o guardião:
rasteiros os arbustos sem sítio de maçã
e esta filha tinha só três anos.
o anjo era meu só,
velha dez vezes mais e proibida
por regras de baloiço.

Mesmo dez vezes mais, voei, e tudo ausente.
entre palmas e risos,
o anjo, o fogo, a espada, tudo ausente,
e o céu: só céu azul e limpo.

Levou-me a minha filha ao parque
e era Domingo,
o dia de descanso do anjo distraído
de expulsar e distraídos
os portões abertos.
Ana Luísa Amaral,in “ Imagias” , Lisboa, Gótica, 2002

Há sons, há vozes, há acordes e há melodias que transcendem as nossas expectativas. Levam-nos por caminhos inesperados, diferentes em tudo mas iguais na convergência das emoções e no deleite harmónico dos sons.
Neste dia de descanso de Agosto, o convite é formulado pelo famoso Chris de Burgh e as Celtic Woman em " I'm counting on you ", canção  que nos chega da Irlanda, país de grande tradição literária e musical. 





The night is so wild
And downstairs the child is sleeping
Her spirit is free
For more than an hour
I have walked in the rain
I've been wondering
What will she be?
But where are the heroes?
Where are the dreams that I had
When I was young?
Am I hoping in vain
Just to think
She could change anything?
Well, I'm counting on you



I'm counting on you
To bring that sweet gentleness to your world
And all that you do
My generation is losing its way
We don't know
What we're leaving for you
So may there be millions to feel like you do
Oh, my love



There is so much to know
There is so far to go
But you are not alone
When this is your world
And I'm counting on you
I'm counting on you



Come to me
Turn to me
Give me your eyes
When you see
The mysteries of time
Here there are those 
Who just live in the past
They will never 
Let history lie
And this sad little island
Is breaking my heart with it's dark
Shades of green
And as hard as I try
I just cannot see why this should be



There is so much to know
There is so far to go
But you are not alone
When this is your world
And I'm counting on you
I'm counting on you
I'm counting on you
I'm counting on you
Chris de Burgh



sábado, 25 de agosto de 2012

Velhos, ó meus queridos velhos


Os nossos velhos
Por Baptista Bastos

Querem ausentá-los mas eles não se ausentam. A sociedade coloca-os nos jardins, por inúteis, mas não o são; e recordam-se e fazem correr os rosários das memórias, e martirizam-se com as dores no corpo e as dores na alma, estas as piores de todas elas; são deixados, mesmo que, aparentemente, os não deixem; por vezes desorientam-se e perdem-se nas ruas. Os nossos velhos foram tipógrafos, estradeiros, carpinteiros, construíram prédios e barragens, navios e pontes; as suas mãos tornearam a madeira e furaram as montanhas e montaram os carris e fizeram as vindimas e afagaram-nos e tiveram-nos ao colo, protegem-nos, vigiam-nos, nossos pais, nossos avós. Os nossos velhos.
O polimento secular da bestialidade fizera das relações humanas um traço de civilização. Os celtas atiravam os velhos dos penhascos, porque incómodos, e já não eram precisos. Os laços sociais que se foram estabelecendo não impediram as guerras e as atrocidades inomináveis. A educação e a harmonia de costumes não são dados adquiridos, e o poder de uns sobre outros é um elemento da luta de classes. Os homens são bons, quando novos, apenas porque produzem. Velhos, deitam-nos para o lixo.
A regressão dos sentimentos e das atitudes, impulsionada pelos novos modelos sociais que nos impõem, desemboca em múltiplas incertezas. O desprezo pelos velhos é uma das variantes dessa regressão, que não nos propõe outros valores. E indica que temos de enfrentar um desafio moral delicado, com que seremos, inevitavelmente, confrontados. O conceito de família, tal como o conhecemos, tem sido aniquilado pelas novas leis de valor. Mas estas leis não significam que sejam as melhores. Pelo contrário.
As doutrinas do "mercado" estão a pulverizar o modelo europeu de sociedade, até agora o mais harmonioso porque o mais humanizado. Será preciso redefinir as bases do contrato social?
Deitar os velhos fora, abandoná-los em caricaturas de "lares" ou nos gelados corredores dos hospitais parece característica do tipo de sociedade em formação. Aprender a conhecer é aprender a fazer e a viver em conjunto. Remover os velhos do nosso carinho e dos nossos afectos, é removermo-nos a nós próprios da condição humana. Querem ausentá-los, mas eles não se ausentam. Estão ali, muito mais atentos do que se possa presumir. Eles são a memória de todos, a nossa pessoal memória, e a nossa certeza do que fomos para entendermos o que seremos.
Extorquem tudo aos velhos, agora, até, por aumento das tarifas nos transportes, a possibilidade de viajar em Lisboa. Não se queixam, mas não afrouxam. Ei-los. Estão aqui e ali. Vou a O'Neill e reproduzo-o: "Velhos, ó meus queridos velhos, / saltem-me para os joelhos: / vamos brincar?"
Baptista Bastos em Artigo de opinião publicado no Diário de Notícias, em 22 de Agosto 2012

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A Viagem



A viagem de trem
"Conhecera, afinal, Florença e achava que a vida já lhe tinha dado bastante. Conhecera-a madura, depois de ter sonhado com ela toda sua juventude. Chorara no Ponte Vecchio, como se reencontrasse a mocidade, as estranhas visões que a povoavam. Desde menina a ponte a fascinava, com suas casas entranhadas, mais rua do que ponte. Algo absolutamente insólito, ocupando um espaço e um tempo desarrazoados. Deixou-se penetrar pelo encantamento da cidade, vagando por ela, sem rumo, durante dias. Sem esgotá-la, tinha partido e agora, enquanto o trem andava, começou a degluti-la. Jantou só, no carro-restaurante, e voltou para a cabine. Não desejava dormir e teve curiosidade de ver a paisagem noturna pela janela do trem. Nenhum passageiro parecia estar acordado, apenas um silêncio feito de sons abafados. O barulho do trem nos trilhos era um ruído bom, familiar, que lhe devolvia a infância, as longas viagens de noturno rumo à fazenda. "Estou me sentindo estranhamente jovem", pensou. Olhava pela vidraça fechada a paisagem banhada de luar. A solidão reinante fazia bem, deixava o mundo à sua mercê, podia envolvê-lo na palma da mão. Uma voz. Olhou espantada. Uma voz ao seu lado. Um homem a olhava e falava. Ia retirar-se e fechar a porta da cabine, quando alguma coisa a fez mudar de ideia. O homem pedia-lhe que ficasse e a voz combinava com a noite, o trem, o resto de Florença. Ser jovem — ser jovem uma vez mais numa noite, numa cidade estranha. Depois, partir sem deixar rasto. Esgotar a vida, a cidade, o tempo, num só dia. Não desejava mais, ou melhor, só desejava isso. Qualquer acréscimo e tudo estaria perdido. Cogumelos e cerejas no restaurante. Brilhantes e redondos. Tenros, devorados em plena juventude, a vinho, velho, conservava a mocidade, tinha também o poder de inebriar. A cidade era feita de tempo, tempo guardado, tempo preservado. Amava sim, de um amor sem tempo, sem limite, sem fim e sem começo. Ele se chamava Alfredo e queria detê-la. Procurava saber tudo, seu nome, sua cidade, o que fazia, se era casada, se tinha filhos. Ela não dizia nada. Ele fora casado e agora se dizia, livre. Tinha o senso do limite. Queria-a para si num tempo e num espaço certos. Guardada, conservada. Que sabia ele? Ela se sentia livre e aspirava até o último sorvo essa liberdade, duramente conquistada. Desistira das coisas concretas, uma posição definida, um lugar no espaço. Seu espaço era feito de muitos espaços; seu tempo, de muitos tempos. Queria conhecer um dia que não pudesse ser contado em dias. Que lhe daria ele? a tempo aprisionado, a dor das coisas que se perdem de momento a momento. Ela não queria mais ganhar nem perder. O amor seria agora assim, feito de instantes - instantes sem tempo. Já perdera e ganhara seu espaço e seu tempo. Sentia-se livre para viver sem medo de perder. A sensação de juventude vinha cada vez mais forte, e ele participava dela. Estava lhe dando de presente o tempo reconquistado, o tempo de juventude, aquele que ninguém conta. Ainda no trem, quis detê-la e lhe pedia que ficasse, que deixasse alguma coisa de palpável, um endereço, uma pista para encontrá-la um dia em algum lugar. Resistiu. Acenou pela janela e sentou na poltrona. O coração batia violentamente. Teve vontade de parar o trem, precipitar-se pela porta, voltar. O trem, grande devorador, já transformara em tempo o espaço percorrido. Estava livre e só na manhã de verão."
Rachel Jardim, in "Contos de escritoras brasileiras", Editora Martins Fontes – São Paulo, 2003

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Se eu pudesse

Se eu pudesse agarrava-me à terra, 
com raízes profundas para não morrer. 
Lançaria os meus ramos no céu azul
para que os pássaros me viessem beijar.
Ah! Se eu pudesse pintava o chão
de verde intenso raiado de vermelho púrpura
para afundar na esperança este torpe  corpo
e assim a vida sustivesse os  meus passos 
numa dança eterna de energia possuída.
Maria José Soares de Moura, in " Poemas da Terra e do Mar"

O regresso à Família


quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Palavras em prosa e em verso


«(…) é o silêncio no interior das ondas e as vozes que me acompanham desde sempre e mal as vozes se calarem levanto-me e regresso a casa. Quer dizer não sei se tenho casa mas é a casa que regresso.» António Lobo Antunes, In “Que cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra No Mar?”, Publicações Dom Quixote, 2009.

20000000 (sufi)

Se a palavra que vais dizer
Não é mais bela que o silêncio
Não a digas

Se a palavra que vais
Dizer não é mais
Bela que o silêncio

Se a palavra dizer que vais
Não é mais bela que
Silêncio

Se a palavra
Não é mais bela
Silêncio

Se a que vais dizer
Não é palavra
Mais do que o silêncio

Não a digas bela
Se mais que silêncio
Não é palavra

Se a palavra
Não é mais
Que silêncio

Se o silêncio
Não é mais
Que palavra

Que palavra?
Que silêncio?»

Jorge Fazenda Lourenço, in “Cutucando a Musa com verso longo e curto e outras coisas leves e pesadas”, Relógio d’Água, 2009

REESCRITA

Fender os versos
com a lâmina implacável do
tempo. No umbigo do poema cravar
o sabre rente às vísceras dos verbos,
à linfa de adjectivos. Despedaçar
os músculos dos sentidos. Abrir
a rede viária do sangue. Romper
a velha epiderme. »
Inês Lourenço, in “ Coisas que Nunca",Etc & etc, 2010


«SOB A URSA MAIOR

O rumor dum motor na água
negra a água velha do verão as aves
criam fios um fio que
me guia no regresso
ao conteúdo do espelho em que
se espelha este, laminado ao de leve
pelo quarto minguante da terceira semana
de agosto e no som do silêncio, feito
de enigmas ínfimos, o tempo mede
timbres mais sozinhos sucessões
variáveis sob a constelação
fixa, procuro repetir
o exercício reler o céu, agora
é mais difícil encontrar a distância
entre as estrelas que fecham o quadrado,
perdida
aprendizagem do céu que só na água
sobrevive quando água
significa ave »
Gastão Cruz, in “Os Poemas”, Assírio e Alvim, 2009

Viver na Beira-Mar

Nunca o mar foi tão ávido
quanto a minha boca. Era eu
quem o bebia. Quando o mar
no horizonte desaparecia e a areia férvida
não tinha fim sob as passadas,
e o caos se harmonizava enfim
com a ordem, eu
havia convulsamente
e tão serena bebido o mar.

Fiama Hasse Pais Brandão, in "Três Rostos - Ecos"


« (…) a cozinha é baixa, com outras janelas sobre o mar e o terreiro e, no vendaval que precede o calor, uma filha do país vem agitar as nossas recordações apresentando-se sempre para ficar. Ela própria é, por vezes, uma obra completa de beleza e, noutras, de febre. Nessas manhãs insiste connosco, sem nos deixar um instante de sossego, e ameaça ir dizer às populações vizinhas que a nossa língua não é verdadeira, que o português que falamos é uma impostura.»
 Maria Gabriela Llansol, in “Causa Amante”, A Regra do Jogo, 1984

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Música de sempre

Judy Collins e Leonard Cohen, em 1976, interpretando " Hey, that's no way to say goodbye", uma canção que marcou a discografia de Leonard Cohen.




Jennifer Rush numa canção de sucesso " The Power of Love" em 1984, no tempo em que celebrar o amor era o mais importante. 



Scott Mckenzie catapultou a canção escrita por John Phillips ( Mamas and Papas) para o palco do Mundo convertendo-a num hino da juventude e do amor dos anos sessenta (1967). Todos a reconhecemos, todos a cantámos. 
Scott McKenzie "morreu , em Los Angeles, neste Sábado, a 18 de Agosto de 2012”, pode ler-se no site do cantor. Estava “muito doente e morreu na sua casa, após duas semanas hospitalizado”, adianta a página. 
Para ele a nossa homenagem.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

A Actualidade em Cartoon

The Daily Cartoon , The Indepent
The Daily Cartoon -The Independent
Rodrigo, Expresso
Rodrigo, Expresso
Rodrigo, Expresso
Ranson, Le Parisien
Ranson, Le Parisien
Erlich, El País
Peridis, El País 

domingo, 19 de agosto de 2012

Ao Domingo Há Música



Os grandes clássicos são sempre fonte de deleite , de júbilo e de grande prazer por mais que se escutem as suas obras. Eis o Concerto para piano Nº 1 em Si Bemol Menor de Tchaikovsky, interpretado ao piano por Artur Rubinstein, com a Orquestra Filarmónica de Boston, dirigida por Erich Leinsdorf. Uma obra prima e inesquecível.


sábado, 18 de agosto de 2012

Eça de Queiroz,o artista da palavra

" Tem-se afirmado muitas vezes que a personagem central da obra de Eça de Queiroz - é o próprio Eça de Queiroz.
E é, com efeito, o homem dominado pelo seu destino irresistível de artista da palavra; o homem apaixonado pelo espectáculo da vida, com tudo o que ela comporta de criação humana; o homem profundamente mergulhado na realidade do seu tempo - múltipla e complexa realidade que abrange desde esse cenário castiço de novela camiliana, o  meio século XIX na província portuguesa, até ao tumultuoso palco do mundo em crise que é o  Paris cosmopolita e mundano dos alvores do século XX.
O eu do escritor e a sua circunstância, estreitamente fundidos mesmo quando parecem opor-se ou desmentir-se, formam a substância cálida e viva da obra.
Não é possível, nunca é possível, mas muito menos no caso de Eça Queiroz, desligar o eu criador desse meio, desse tempo - dessa circunstância que o modelou e que foi simultaneamente modelada por ele, reassumida e reelaborada por ele através da alquimia da criação artística. A intemporalidade da obra de arte superior, tantas vezes afirmada, realiza-se , neste caso, justamente a partir de uma matéria que é fortemente temporal, marcada pela mentalidade de uma época bem caracterizada. 
O eu e a circunstância de Eça Queiroz, assim confundidos, erguem-se diante do leitor à medida que le progride no conhecimento da obra.
De maneira que a seca enumeração dos dados biográficos é quase inútil para quem, das páginas da obra, viu surgir inteiro e natural o vulto sedutor  de " verve", de elegância e de fragilidade humana, de generosidade tolerante e de irreverente e luminosa ironia...
A biografia de Eça de Queiroz está, aliás minuciosa e exaustivamente estudada. Mas a melhor forma de conhecer o homem e o artista - nele tão intimamente reunidos - continua a ser a leitura das suas páginas, romances e contos, crónica de actualidade sua contemporânea e reconstituição artística de épocas passadas." Ester de Lemos, in " Páginas de Eça de Queiroz", Editorial Verbo
A obra de Eça é longa  e diversa . Sabe-se que reflecte  o seu tempo e a sua personalidade. No tempo em que esteve em Coimbra, onde estudou Direito, ficaram as crónicas publicadas na Gazeta de Coimbra (de 1886 a 1887) que foram, posteriormente, reunidas num volume com o título escolhido pelo próprio Eça de Queiroz de "Prosas Bárbaras". Dessa obra  transcreve-se  uma crónica. 

A Península
"Ainda ontem eu pensava que nós outros os peninsulares nem sempre tínhamos sido uma nação estreita, de pequenas tendências, sonolenta, chata, fria, burguesa, cheia de espantos e servilidades: e que este velho canto da Terra, cheio de árvores e de sol, tinha sido pátria forte, sã, viva, fecunda, formosa, aventureira, épica!
Ah!, foi há muito tempo.
Era naqueles tempos em que a Itália rodeava os papas severos; e olhavam para o céu as Virgens do Dominiquino. Por esse tempo ia pela Europa uma transformação social. Na Alemanha, Lutero entrava em Worms, com um canto batalhador, em nome do espírito, da alma. O papado ia morrer. Era necessário que todo o Sul se aliasse na cruzada católica.
Toda a revolta de Lutero foi tomada ao principio por um daqueles lentos suspiros alemães, que se perdiam no coro profano, luminoso, embalador e forte do Sul.
Viu-se depois que era a voz imensa da alma do Norte, toda uma humanidade austera e vital, que se movia, que vinha falar, pensar, examinar, revelar, sob o peso das teocracias romanas, dos papados, dos imperadores, das tiranias, dos sacerdócios.
Todo o Sul católico estremeceu; aquela revolta vinha imprevista e rápida; um dia a imperceptível e vasta humanidade, quando fosse uma madrugada para as suas adorações, podia encontrar a velha Roma deserta, e ao longe o catolicismo dissipando-se com um som hierático de salmos e um colorido vermelho de fogueiras.
Era necessário salvar o Sul.
A Itália tinha-se familiarizado com o cristianismo; tinha-se acostumado às santas macerações de Jesus, à transparência ascética das Virgens; os renunciamentos e os medos católicos já a não vergavam para o pó. Ela, cheia de sol e de sons e de forças, começava a olhar a Natureza, as grandes fecundidades. as vitalidades poderosas, as melodias moventes da carne.
Os velhos deuses da Grécia tinham-se refugiado na alma italiana; ao princípio andavam no fundo, como recordação leve, transfigurados pela dor, encolhidos, soluçantes, miseráveis: depois lentamente foram aparecendo, espalhou-se um cheiro de ambrósia e um som de idílio; e os seus corpos são como astros, ocuparam por fim toda a alma italiana com coreias, derramações de néctares, palpitações de luz, divinos resplandecimentos de vida.
A Itália tinha-se afastado de Dante e das visões devoradoras do infinito; e os poucos que se curvavam sobre a Divina Comédia, não era para ver os castigos e os paraísos, mas para sentir as palpitações, que lá tinham ficado, da alma de Florença.
A Itália seguia Petrarca: mas em Petrarca havia ainda uma religião e um misticismo – o amor: e a Laura dos Sonetos, como a Virgem mística, prendia nas humilhações religiosas todos os cavaleiros do Sul. A Itália então deixou Petrarca e rodeou Ariosto, o aventureiro, o jovial, o descrente, cavaleiro e escarnecedor.
Foi então que se ouviu aquela voz do Norte.
Todas as cortes católicas andavam dispersas, galhofeiras e namoradas, rindo com o Aretino, escarnecendo brutalmente com o poeta Pulei, guiadas por Lorenzo de Médicis e pelo cardeal Bembo, cantando às estrelas, adorando as Violantes, rindo de Fra Angelico, aclamando Ticiano, cobertas das sedas de Veneza, com o peito cheio da religião do Sol, da música e das noites profanas.
Foi então que se ouviu a voz do Norte, o canto de Lutero. Todos os católicos correram instintivamente, rodearam os papas severos, Adriano VI, Clemente VIII, cantaram os salmos e as missas de Marcelo, cheias dos renunciamentos ascéticos, e foram seguindo o Tasso, que voltava, apaixonado e religioso, para Dante e para Deus.
E o papado continuou caminhando, sereno e terrível, deixando as sombras das masmorras de Galileno e de Campanella, e mais longe o fumo das fogueiras de Vanini e de Giordano Bruno.
Tal era a luta do Norte e do Sul.
Ora durante essa luta das regiões e das pátrias, a Península, encolhida nas suas montanhas, cobertas de sol, violenta, sinistro cavaleiro de Deus, armava as caravelas e os galeões para as bandas desconhecidas das ilhas, dos continentes das Índias, dos cabos temerosos. Nós outros, os peninsulares, aparecíamos às outras nações como velhos lobos-do-mar, sempre em viagens, trigueiros, rijos como calabres, sãos como o Sol, ensurdecidos pelo clamor das marés, cheios de legendas e do cheiro das viagens, sobre os tombadilhos, e perdidos, ao longe, perdidos nas brumas terríveis.
De vez em quando desembarcava este povo, bradando que tinha descoberto um mundo, que lá tinham ficado infinitas multidões, negras, bestiais e nuas sob a bênção dos padres: ali mesmo sobre a areia, ao rumor das maresias, escrevia a história trágica da sua viagem, e uma madrugada, tomados das saudades do mar, partiam de novo, radiosos e bons, para a banda das Índias.
Era assim. Todos os anos, aquela multidão imensa de aventureiros embarcava nos galeões, entre os salmos e os coros, e eles iam silenciosos e flamejantes, por entre as sonoras ilimitações, os ventos aflitos e os tremores da água – para os nevoeiros inexplorados.
Iam, em demanda de mundos, levando Deus dentro do peito, sob as constelações augustas, entre as tempestades, os rochedos e as correntes, de pé nos tombadilhos, descobertos às temperaturas, rodeando um Cristo, cantando os salmos ao coro dos furacões, todos reluzentes de armaduras e de divisas de amor, com a alma cheia de altivezas de batalhadores e de doçuras de apóstolos.
Iam como numa glória e em nome de Deus! E quando encontravam as hostilidades e os encrespamentos irados do elemento, as opressões infinitas dos ventos e das águas. erguiam as mãos como para uma excomunhão, e bradavam soberbos àqueles sopros e àquelas maresias os versículos do Evangelho Segundo S. João.
Era assim. Ora aqueles homens marinheiros e batalhadores eram historiadores e poetas. Escreviam os seus feitos.
Escreviam-nos entre os assaltos e as tempestades, no convés das caravelas, nos cabos tormentosos, nas florestas sagradas da Índia sob as imobilidades cruas da luz: escreviam cobertos das espumas, enegrecidos pelos fumos, trémulos das iras das batalhas. Por isso enchiam as suas crónicas e os seus poemas de uma estranha prodigalidade de força e de vida. E os seus diários de bordo tinham muitas vezes a simplicidade épica de Homero.
Mas eles também tinham amores, ciúmes, paternidades, paixões, lirismos interiores, e as saudades da pátria nasciam naquelas almas como grandes açucenas que se abrem dentro de um vaso e que o enchem.
De noite, nos tombadilhos, embrulhados nos seus mantos esburacados, deitados entre as cordagens, aos embalos das marés, enquanto os pilotos silenciosos seguem com os olhos as viagens imensas das estrelas, e todo o mar enorme se amolece como um seio cansado, eles contavam em voz baixa, com as cabeças juntas, as histórias de amores, os torneios, as aventuras, as serenatas e a vida da pátria.
No meio daquela vida trágica da aventura eles tinham a alma cheia de amores, de legendas, de saudades, cheia da pátria.
E escreviam poemas, cantatas, sonetos, farsas, comédias e elegias.
E para vestirem o sentimento fecundo, forte, cheio do Sol e do mar tomavam a. forma popular.
Estavam longe da Europa, das plásticas da Itália, dos renascimentos gregos e romanos, das antigas formas rituais, das educações clássicas.
Não conheciam isto.
Mas lembravam-se sempre das cantigas da pátria, das endechas heróicas, dos romances populares, que eles tinham ouvido pelos campos, com que os velhos embalavam, que se cantam de noite às estrelas por Sevilha e por Granada e que os mendigos diziam pelas velhas pontes dos Godos e dos Árabes. Porque o povo na Península tinha uma poesia, sua exclusivamente, que cantava nos trabalhos, com que adormecia os filhos, em que escarnecia os alcaides e celebrava os heróis.
Fazia daquela poesia um uso sagrado: era a sua consolação, o grande leito misterioso onde adormecia as tristezas: era ali que procurava confortos, recompensas e as ideias da pátria.
No Norte, a poesia popular foi a Invisível que levou pela mão os trovadores, filhos das glebas, até às lareiras dos senhores feudais: foi o primeiro suspiro de amor que os pobres poetas da populaça. místicos e sensuais, soltavam para as brancas castelãs que entreviam nos torneios, cobertas de pedrarias: ou passando de noite, brancas, às estrelas, pelos altos terraços; ou entre as árvores, ao entardecer, quando as ogivas cheias do sol oblíquo estão flamejantes como mitras.
E as castelãs abriam os braços para os poetas tristes, indolentes e cheios do Paraíso. Admirável influência da poesia, que produziu pelo amor um renascimento social!
Mas a poesia da Península era unicamente do povo: era a epopeia austera do Cid, exterminador de mouros, e de Bernardo dei Carpio, exterminador de bárbaros. Na Península o povo estava sob uma condição especial; tinha uma importância no estado forte, fecunda e soberba: a Península tinha passado os primeiros anos da sua constituição nas lutas terríveis do forte Maomet e do Cristo místico; ora o popular da Península não era um servo, era um cristão: consagrado pelos baptismos, era uma força individual, que impelia e dissolvia o elemento mourisco, sensual e poderoso.
Ora, foi sob a forma popular que aqueles batalhadores e poetas, que vão hoje tomando a vaga atitude da legenda, escreveram os seus poemas, as suas cantatas, as suas comédias e os seus sonetos.
Então toda a literatura peninsular tem uma originalidade profunda, independente de formas e ritos: a arte, o drama, a poesia saem das tradições populares, do clima, do Sol, de todas as vitalidades meridionais; isto quando pelo resto da Europa todas as nacionalidades esqueciam as suas tradições, a sua história, a sua velha alma, para se envolverem nas formas antigas. Era a Renascença. Então aparece o teatro espanhol original, cavalheiresco, enérgico, apaixonado, cheio de selvagens palpitações, de lances de religião: onde a cruz é uma personagem; onde falam lacaios, heróis, santos, ventos, galeões: todas as formas da vida confundidas; o riso, o choro, a ironia, a sátira, o madrigal: tal é a impressão geral.
Depois uma pintura mística e sensual: não é a espiritualização da alma, é antes a imortalização da carne: inspirada daquele misticismo espanhol, que sob a influência da Natureza, do clima, da política, da raça, parece mais cheio das trágicas iras de Jeová do que das doçuras de Jesus.
Depois uma música, como a do Dies Irae, obra dos terríveis dominicanos: um poema de morte; uma das maiores agonias da alma: música ascética e flamejante, onde a Natureza aparece, trágica e desgrenhada figura.
Uma arte onde se torcem todas as chamas do Inferno e todas as pedrarias dos paraísos católicos, que parece uma luta trágica e cómica da vida e da morte: uma Igreja. cheia de renunciamentos místicos, mas onde o misticismo parece mais um desespero de não poder saciar-se dos bens do mundo do que uma aspiração a poder fartar a alma nas contemplações diversas: uma defesa do catolicismo trágica e apaixonada: um amor sublime pelos despotismos e pelos sacerdócios: confusão dos imperadores com os santos e das coroas de metal com as coroas de luz: uma vida super abundante: ascetismos ferozes e onde o sentimento mais aparente e o rancor.
Ao mesmo tempo uma austeridade monástica em tempo de guerra: caravelas que partem, sem rumo, sob as indicações das estrelas: quase, por vezes, uma reconciliação aparente do maometanismo e do cristianismo: uma paixão avara pelo dinheiro; o elemento da intriga que quer entrar na política, vindo substituir o elemento da força: combates cavalheirescos com a Europa vizinha: depois um sol ardente: um sangue exigente: uma carnação soberba: ao longe a América e as Índias como um paraíso de ouro, de metais e de soberanias.
Tal é o aspecto mais geral da Espanha. nas vésperas da Renascença.
É dramática aquela vida.
Não admira por isso que a forma suprema da sua arte –fosse o drama.
Em Portugal não é este rigorosamente o fundo do génio: há mais serenidade na força: o carácter português é mais parecido com o carácter italiano: os nossos sábios, os nossos viajantes, os nossos descobridores tinham mais a lucidez do tempo de Dante: as navegações são prudentes: por isso Portugal não resistiu nada à influência italiana. O renascimento da Antiguidade. a serenidade plástica, a frieza clássica aclimatam-se na Espanha mas com dor e com luta: foi necessário que a Espanha já não acreditasse na sua epopeia cavalheiresca e que Cervantes começasse a fazer trotar pelos caminhos o magro D. Quixote.
Em Portugal não: o génio antigo aclimatou-se: transformou-se mesmo: perdeu o elemento vital e fecundo e ficou-lhe o elemento retórico.
Ó Arcádia! Ó moços pastoris e burgueses! Ó clássicos!." Eça de Queiroz, in " Prosas Bárbaras", Lello & Irmão- Editores, Porto