quinta-feira, 5 de julho de 2012

Celebrar Jorge Amado

O impacto de Jorge Amado em Portugal
“Uma exposição sobre o impacto da obra de Jorge Amado em Portugal abriu ao público na Biblioteca Nacional, em Lisboa, no âmbito do centenário do nascimento do escritor brasileiro.
"Jorge Amado em Portugal" é o título desta exposição que ficará patente na Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) até 7 de Setembro, realizada por iniciativa da própria entidade.
Em declarações esta semana à agência Lusa, o comissário da exposição, Luís Augusto Costa Dias, referiu que o material apresentado, nomeadamente livros e revistas, é proveniente da BNP, excepto um filme documental cedido pela RTP, e documentos do processo que a polícia política do regime de Oliveira Salazar chegou a fazer sobre Jorge Amado (1912-2001).
Esses documentos, cedidos pela Torre do Tombo, contêm ainda um texto escrito por Jorge Amado em defesa da libertação de Álvaro Cunhal, então líder do PCP, que tinha sido publicado na clandestinidade pelo jornal Avante.
De acordo com o comissário, a exposição sobre Jorge Amado apresenta "os modos de recepção da sua obra no nosso país, desde o primeiro impacto intelectual, de contornos polémicos, nos anos trinta do século XX, à projeção mediática que correspondeu à divulgação através de famosas séries televisivas e a passagem pelo cinema, após os anos setenta".
Quando foi editado "País do Carnaval" (1931), Jorge Amado foi recebido como o escritor do "romance social", tal como o artista plástico brasileiro Cândido Portinari na pintura.
Após a edição da obra "Gabriela, Cravo e Canela" (1958) e a sua "fulgurante projeção em todo o mundo, a 'higiene' policial abriu a fresta das edições em Portugal", durante anos censuradas.
O romance foi publicado em 1960 sob impulso do editor português Lyon de Castro (1914-2012) e o envolvimento do escritor Alves Redol (1911-1969), e permitiu a vinda do escritor ao nosso país em 1966.
A partir dessa data, dá-se uma multiplicação de edições e tiragens, que permitiu uma recepção pública mais alargada, mas foi sobretudo após o 25 de Abril de 1974 que toda a obra de Jorge Amado conheceu edição integral, reforçada e alargada com a adaptação de alguns dos romances a séries televisivas e ao cinema.
A telenovela Gabriela, estreada em Portugal em 1977, e o filme "Dona Flor e Seus Dois Maridos", de Bruno Barreto, exibido nas salas, na mesma época, são dois exemplos nesse processo.”  Lusa in DN Artes
A EXPOSIÇÃO “Jorge Amado em Portugal” decorre entre 28 Junho e 7 Setembro , na  Sala de Exposições da Biblioteca Nacional de Portugal - Piso 2, com Entrada livre
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"Na progressista Ilhéus, a capital do cacau, vivia Nacib, sírio, naturalizado brasileiro, que aqui estava desde os quatro anos de idade. Dono do bar Vesúvio e ilheense de coração, não se lembrava de nada de seu país. Numa manhã, precisamente às seis horas, foi acordado por Filomena, sua cozinheira. Meio atordoado entendeu que ela estava indo embora; iria para junto do filho, agora casado e carente de sua presença.
Repentinamente, Nacib se viu sem cozinheira, exatamente, um dia antes do jantar para trinta pessoas, que seria dado no Vesúvio, em comemoração da recém-inaugurada empresa de ônibus que fazia Ilhéus-Itabuna duas vezes por dia. Agora Ilhéus tinha um serviço de transporte coletivo, graças ao empreendimento de dois homens corajosos - o russo Jacob e o Moacir da garagem. Além disso, precisava de um tabuleiro de doces e salgados para o bar.
Foi à casa das irmãs dos Reis, Quinquina e Florzinha que, além de excelentes doceiras e quituteiras, faziam o maior e o mais visitado presépio da cidade. Aceitaram a encomenda, por que se tratava do senhor Nacib; estavam muito atarefadas com o presépio. Naquela manhã, trabalhando no bar, contava sua desventura a todo freguês, na expectativa de que este conhecesse uma cozinheira disponível. Não poderia ficar com as dos Reis; eram muito caras. Logo após o almoço, aceitou a sugestão do professor Josué; iria mais tarde ao "Mercado de Escravos", onde se instalara uma leva de retirantes flagelados. Talvez, com sorte, pudesse encontrar uma cozinheira em meio àquela gente.
Naquela manhã, muitas coisas ocorreram em Ilhéus, fazendo a cidade fervilhar. Quando estava para atracar no porto, o Ita encalhou na areia, ficando ali horas. Dizia-se, com veemência que a falta de um porto decente era um despropósito para uma cidade daquele porte. Além da costumeira leva de comerciantes e aventureiros, o navio trazia de volta o exportador de cacau, Mundinho Falcão que tinha ido ao Rio para ver a família e fazer contatos políticos. Era solteiro e, como a maioria das pessoas, viera para Ilhéus em busca de fortuna. Além disso, queria tentar esquecer um grande amor.
A notícia do assassinato de um casal de jovens correu rápido como um relâmpago pela preconceituosa cidade. Naquela manhã, o coronel Jesuíno flagrou sua esposa, Sinhazinha, na cama com o dentista, Dr. Osmundo, matando-os em seguida. Comentava-se e discutia-se calorosamente a tragédia dos dois apaixonados; divulgavam-se versões da sociedade, opunham-se detalhes, mas com uma coisa todos concordavam: o gesto macho do coronel era constantemente louvado. Para a provinciana Ilhéus, honra de homem enganado, só o sangue poderia limpar. Na busca de razões, os mais conservadores diziam que o vilão de tudo isso era o clube Progresso com seus bailes.
Quando a tarde caiu sobre Ilhéus e o bar começou a esvaziar, Nacib se dirigiu ao Mercado. Entre os retirantes notou uma mulher em trapos miseráveis, pés imundos descalços e cabelos desgrenhados. Estava tão suja que não se podia ver-lhe as feições ou dar-lhe a idade; respondeu que se chamava Gabriela e que sabia fazer de tudo. Mesmo achando que não era verdade, Nacib levou-a consigo, para experimentar o seu serviço. Quando chegaram em casa, mostrou-lhe os aposentos e o quarto onde ela ficaria. Antes de sair, mandou que tomasse um bom banho; iria ao bar e depois acabaria a noite no Bataclan, onde estava de xodó com Risoleta.
Para surpresa de Nacib, Gabriela revelou-se competentíssima no forno, fogão e arrumação de casa. Além disso, era uma bela morena com lábios de pitanga; era de uma beleza simples, pura. Logo, a m. oça se inteirou de tudo da casa, arrumando tempo até para levar o almoço do patrão e ajudá-lo no bar, enquanto este almoçava. Não só os quitutes da jovem cozinheira trouxeram mais clientes ao bar, como também sua presença que a todos encantava. Ela, por sua vez, se encantava também com os moços bonitos que freqüentavam o bar. Voltava para casa, quando o Sr Nacib se acomodava na espreguiçadeira para a sesta de alguns minutos no começo da tarde. Gabriela gostava de brincar, correr com as crianças, ficar descalça, ir ao circo e de rir, ria sem motivo, ria sempre e muito com sua boca de pitanga e uma flor nos cabelos(...)" Jorge Amado, in " Gabriela, Cravo e Canela", Publicações Europa-América

2 comentários:

  1. Jorge Amado foi amado intensamente em Portugal por uma geração. Apresentou o Brasil e um mosaico imenso de gente diversa que era povo tal como ele se assumia. Heróis que lutavam pela sobrevivência e pela justiça.
    Perseguido e aplaudido, Jorge Amado foi o escritor brasileiro mais procurado no tempo da Ditadura portuguesa e nos anos que se seguiram.

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  2. Infelizmente, os senhores do Prémio Nobel nunca se "lembraram" (?) da Literatura Latino Americana!... O nosso Jorge Amado foi vítima dessa miopia dos que mandam no Nobel, em Estocolmo.

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