quarta-feira, 16 de maio de 2012

O céu escurece de azul carregado

“Volvendo o olhar para os lados do sul, à esquerda do sol, pelas cinco da tarde, o céu escurece, de azul carregado, por cima das copas no morro distante. Sinais de chuva.
Adriano Kapiapia, a meio do morro, roda sobre as pernas e estuda os sinais. Considera o céu por cima dos morros, pedras e moitos esmorecendo longe, distantes para além do mundo que sabe. Para o sul curtas vistas, e mesmo a nascente, extensões para o norte, também para poente.
Adriano Kapiapia apalpa o céu. Acima do recorte das ramagens, por sobre a encosta que lhe está em frente, aumenta a massa de uma nuvem espessa, negra e pesada, debruada a branco. No hemiciclo oposto o céu é claro, ainda, servido de uma luz azul e lisa. Olhando, todavia, para cima, e percorrendo a curva que vai de um extremo ao outro do horizonte, o céu vai escurecendo a pouco e pouco até se transformar, sem sobressalto, num fundo opaco para o debrum branco. Só o debrum, portanto, revela a nuvem espessa. Outras nuvens menores a precederam e estão espalhadas, soltas, pelo céu inteiro, sem atingir, contudo, o azul do norte, onde só há rajadas fugidias. E é este o céu, com o sol a meia altura e muito quente.
Na terra a luz mudou. A luz crua do sol mudou-se em labareda. A luz da labareda. O rectângulo de terra desbravada, que encosta a um dos lados do caminho, vive uma luz que dir-se-ia autónoma e crescente, de combustão oculta e prolongada. O mesmo com as pedras, com os troncos da mata, com a cinza jacente das derrubas do Outubro. É uma luz que emerge de repente. Da terra e das formas. As folhas, que são verdes, reflectem brilhos quentes nos rebordos, não como se existisse um céu dourado e fossem espelho, mas como se esse brilho as envolvesse e o ar buscasse as formas para exibir-se assim. Como se o céu, que aos poucos escurece, transferisse para a terra a luz que a tempestade de si expulsa. A luz de encontro à noite imposta pela tormenta. Sinais de chuva.
Adriano Kapiapia ausculta o som. O som e os sons. Extinguiu-se o som, o marulhar da vida toda acesa em confusão de origens e distâncias, a vaga e borbulhante amálgama dos gritos, dos ruídos, dos passos e dos voos. Agora há sons distintos, localizáveis fontes que vertem para o ar o seu sinal. Onde havia o sussurro há o silêncio. (…)”

Ruy Duarte de Carvalho, in “ Como se o mundo não tivesse Leste”, União dos escritores Angolanos

1 comentário:

  1. Impossível olhar e admirar a obra literária do poeta, escritor e professor Ruy Duarte de Carvalho, sem recordarmos o seu fim terreno, inesperado, algures lá para o sul na África, nas terras quase desérticas entre Angola e a Namíbia!... "Como se o mundo não tivesse Leste"... pensamos na solidão em que se achava, nos últimos momentos deste inviolável poeta, "perdido" na vastidão da África que tanto adorava, em especial da sua Angola, como se a vida pudesse ter termo!... A vida de espírito não tem termo. Ruy Duarte de Carvalho continua através dos seus livros, do seu modo especial de escrevinhar a vida, de escrevivê-la, ele continua connosco. A sua palavra poética percorre o caminho da glória!

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