terça-feira, 15 de maio de 2012

Esperar-te


Saber esperar alguém

Não há mais sublime sedução do que saber esperar alguém.
Compor o corpo, os objectos em sua função, sejam eles
A boca, os olhos, ou os lábios. Treinar-se a respirar
Florescentemente. Sorrir pelo ângulo da malícia.
Aspergir de solução libidinal os corredores e a porta.
Velar as janelas com um suspiro próprio. Conceder
Às cortinas o dom de sombrear. Pegar então num
Objecto contundente e amaciá-lo com a cor. Rasgar
Num livro uma página estrategicamente aberta.
Entregar-se a espaços vacilantes. Ficar na dureza
Firme. Conter. Arrancar ao meu sexo de ler a palavra
Que te quer. Soprá-la para dentro de ti -------------------
----------------------------- até que a dor alegre recomece.
Maria Gabriela Llansol, in “O começo de um livro é precioso” Assírio & Alvim 2003

Esplanada

Como o copo que se eleva lentamente,
glacial, numa tarde de remorso,
os teus beijos duma grande difusão clara,
e o fumo dum cigarro à procura
dum ponto no mar.

Sebastião Alba, in “O ritmo do presságio”,Edições 70,1981


O nome da ausência

O sótão: era ali
que o mundo começava. Ainda
não sabias, então,
quantas letras te seriam
necessárias para soletrar
o alfabeto dos dias, para encher
a tua caixa
de música, a tua concha
de areia. E ainda
o não sabes hoje. Com cinza
nada se escreve a não ser
as vogais do silêncio. E este
é o nome que se dá à ausência,
quando a noite e a poeira
dos astros pousam
sobre a ranhura dos olhos.

Albano Martins, in “Escrito a vermelho”, Campo das Letras, 1999

2 comentários:

  1. Esperar por alguém pode trazer impaciência, desespero, desilusão, sofrimento. Mas esperar por um amor traz sonho, alegria, paixão, paz, rebeldia. "Esperar-te" traz vida.

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  2. Três poetas para reavivar: Maria Gabriela Llansol,Sebastião Alba, e Albano Martins. Três poemas para nos envolver, e nos envolvermos neles... Em todos, a presença do corpo. E igualmente a do espaço do estar. Se com Gabriela sobressaiem as atitudes, o movimento, os ademanes, o agir em relação a...; em Sebastião Alba, os corpos tocam-se numa soberba sinfonia numa tarde de melancolia, num tempo de "remorso", enquanto o mesmo tempo aguarda na escassez do fumo de um cigarro; e em Albano Martins, o espaço, a descoberta do início de tudo, porque tudo tem um início, um corpo e um espaço, e a alusão ao interior mumificado de uma ausência, de um tempo de infinitude não presente por estar em si mesmo, em nós. Eis um verdadeiro Elogio da Escolha, de uma conjugação admirável que nos é apresentado em "Livres Pensantes"!... Apenas, e se nos permitem, sem menosprezo para os outros dois, um último olhar de grande admiração e ternura para o poeta bracarense, para Sebastião Alba. Uma sensibilidade admirável, uma obra erguida nos ruídos da cidade, uma vida de solidão e escuridão, de esquecimento, um passar silencioso e emotivo pela vida sem pedir nada à Vida, e por fim uma morte trágica por atropelamento! Deixou-nos a noção de felicidade na infelicidade, de como erguê-la sem pedir ajuda a quem quer que fosse, e uma obra literária de pequena dimensão, mas grande na beleza com que a concebeu, no sacrifício, na dor, na nobreza da sua alma. Sebastião Alba merecia esta modesta e genuina homenagem, consagração!... E, sobre tudo, a referência que "Livres Pensantes" lhe dedica, o não deixá-lo no esquecimento, e que passará - cremos... - despercebida para alguns (?!)... Todavia, aqui estamos a marcar o tempo e a grandeza de Sebastião Alba!...

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