terça-feira, 29 de maio de 2012

Difícil Amor


Acordas líquido no teu sangue sobre meu sangue
de asas paradas
Acordas distante e próximo e cantas-me o cântico sem fundo
Cantar amigo inimigo cantar dobrado que desde a infância
escutei
E amo-te amo-te sem saber o objecto amado
Sem esquecer todo o óleo derramado em tuas mãos pesadas
De bens que não são os meus
E contudo tudo é amor incoerente e real e que se reconhece
Sem coragem de romper os linhos do amanhã
E não te amo não não se ama esta ferida de mistério
que se sente em já saudade de barro húmido
lavrando no beijo a secura da humilde pele
E eu sei o que é amar e ser amada meus olhos limpos
não dizem adeus.
E os deuses não esperam

Matilde Rosa Araújo, In "Voz Nua", Ed. Livros Horizonte

1 comentário:

  1. Que oportuna, composição neste "post"!... Um quadro de notável pintora Paula Rego que nos revela uma mulher por terra, com todo o aspecto de vencida, talvez vencida por uma paixão inadiável, que a consome implacavelmente, por um amor distante e não confortante como esperava, uma grande amor como aqueles que nada podem esperar porque o amor urge como desejo e plenitude, imperiosamente, o amor tem de cumprir-se, dê por onde der. Depois, o
    belo poema da Matilde (Rosa Araújo) onde se sente o pulsar sensual de uma mulher que se consome num amor partilhado, inconsútil, tão disseminado e quente que rompe a sua própria carne esculpida no enlevo do vivido, mas incerto, já em desprendimento em vias de dissolução e se deixa sangrar num amor que desejava eterno e definitivamente correspondido por grande demais talvez para o seu corpo, para afinal lhe ser devolvido em desespero, como ela sabe que o é, em preparado de amor "incoerente e real" !... (Já aqui neste espaço - em tempo - dedicámos a Matilde Rosa Araújo, algumas palavras embuídas de uma saudade jamais mitigada... Recordamo-la com imensa saudade!...)

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