sábado, 7 de abril de 2012

“Que procurais?”


Espaço para a autenticidade
É urgente que a vida não seja só a acumulação do tempo e do seu cavalgar sonâmbulo.
Gosto, mas gosto muito, que a primeira palavra de Jesus no Evangelho de João seja uma pergunta (e seja aquela pergunta): “Que procurais?” (Jo 1,38). Consola-me ir percebendo que o que sustenta a arquitectura dos encontros e dos desencontros que os Evangelhos relatam é uma espécie de coreografia de perguntas, um intenso tráfico interrogativo, construído a maior parte do tempo a tactear, sem saber bem, com muitas dúvidas, muitos disparos ao lado, muita incapacidade até de comunicar. Isso é uma âncora, por muito que nos custe, pois uma vida só assente em respostas é uma vida diminuída, à maneira de uma primavera que não chegou a ser. Não sei como vai rebentar em nós a primavera, como se vai acender este reflorir que a natureza insinua, este renascer que o gesto pascal de Jesus espantosamente (res)suscita na nossa humanidade. Sei apenas que nas perguntas, mesmo naquelas que são difíceis e nos estremecem, reencontramos a vida exposta e aberta, certamente mais frágil, mas a única que nos permite tocar as margens de uma existência autêntica.
Todos somos habitados por perguntas e elas cartografam zonas silenciosas, territórios de fronteira do nosso ser. Estes dias reencontrei a pergunta de Pilatos (ainda no Evangelho de João): “O que é a verdade?” (Jo18,38). E dei comigo a aproximar esta pergunta de uma das frases emblemáticas de Jesus: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”(Jo 14,2). Sem querer relativizar a natureza densamente dogmática do enunciado, dei comigo, porém, a revisitá-lo em chave existencial. E era como se Jesus, mestre da vida que incessantemente se reformula em nós, nos desafiasse a uma apropriação. Sim, a uma apropriação. É necessário que perante a multidão dos caminhos percorridos e a percorrer cada um de nós diga: “eu sou o caminho que percorro”. É decisivo que as verdades que acordamos não sejam uma sobreposição, mas uma expressão profunda do que somos: “eu sou a verdade”. É urgente que a vida não seja só a acumulação do tempo e do seu cavalgar sonâmbulo, mas que cada um, pelo menos uma vez, possa dizer plenamente: “eu sou a vida”. Acho que é disto que o mistério pascal fala.
José Tolentino Mendonça,poeta, in “Agência Ecclesia

1 comentário:

  1. Perante a leitura deste texto do P. J. Tolentino Mendonça, em tempo se Páscoa e reflexão, sempre reflexão, na rubrica - "Interessa-me", somente poderia responder - "Muito!..." Uns nos outros nós somos também Vida. Não é com a resposta que aprendemos, é com a pergunta, a interrogação, o saber os porquês. Quando repetimos a pergunta de Jesus... - "Que procurais?...", é que ainda andamos em procura e nós mesmos, dos outros que nos são próximos, andamos em procura da Verdade, em procura do fim para que fomos criados. Tolentino Mendonça para além de grande poeta, é um pensador actualizado dos tempos modernos, não apenas do nosso tempo, mas do que espera as gerações que nos hão-de suceder. A razão da Fé, a razão de tudo quanto somos, inicia-se suavemente, a cada ano que sucede, em Sábado de Aleluia. "Urbi et orbi"... O domingo de Páscoa é a vitória sobre a morte.

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