sábado, 28 de abril de 2012

As minhas ilusões


Hora sagrada dum entardecer
De Outono, à beira-mar, cor de safira,
Soa no ar uma invisível lira...
O sol é um doente a enlanguescer...

A vaga estende os braços a suster,
Numa dor de revolta cheia de ira,
A doirada cabeça que delira
Num último suspiro, a estremecer!

O sol morreu... e veste luto o mar...
E eu vejo a urna d’oiro, a baloiçar,
À flor das ondas, num lençol d’espuma!

As minhas Ilusões, doce tesoiro,
Também as vi levar em urna d’oiro,
No mar da Vida, assim... uma por uma...
Florbela Espanca, in " Livro de Mágoas "*, Bertrand Editora

* " Livro de Mágoas " é a primeira obra de Florbela Espanca a ser publicada  . Foi editada em Junho de 1919, na Tipografia Maurício, em Lisboa por Raul Proença,crítico literário muito prestigiado.

1 comentário:

  1. Raul Proença, um dos fundadores do grupo literário "Searea Nova", escritor, jornalista, também crítico literário, homem muito culto, mantinha uma grande admiração e amizade pela Florbela Espanca. E ajudou a lançá-la no mundo das letras... É verdade. No entanto, foi o italiano Guido Batelli, esse professor ancião, quem maior impulso deu à publicação da obra literária (principalmente a poética) desta inolvidável poetisa... DE Florbela. E tornou-a mais conhecida, incluindo em Itália!... Recordemos que pintor Henrique Pousão (tio do poeta algarvio olhannese João Lúcio), e também nascido em Vila Viçosa como Florbela, mas mais "cedo" que Florbela, também adquiriu mais notiriedade foi na pátria de Dante!... Por Itália viveu, especialmente naquele soberbo rochedo da ilha de Capri, "casa de Tibério Imperador", frente a Nápoles, frente àquela linda costa de Sorrento, e aí pintou - doido por aquela luz mediterrânica... - telas que hoje se encontram no Museu Soares dos Reis, no Porto, oferecidas por seu pai, que era juíz. Mas, a vida dá muitas voltas... Raul Proença morreu cedo. Florbela saiu da vida voluntariamnte muito nova. Henrique Pousão, fulminou-o ainda muito moço, a tuberculose pulmonar. Ao João Lúcio levou-o aos 38 anos, a "gripe" da pneumónica. Só Guido Batelli sobreviveu a todos, e era mais velho que eles!... As "ilusões" de todos numa "urna de oiro" foram por aí fora, "no mar da vida"... As nossas levarão igual destino. Assim foi. Assim continuará...

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