quarta-feira, 14 de março de 2012

Prece

Senhor, a noite veio e a alma é vil,
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.

Mas a chama, que a vida em nós criou,
Se ainda há vida ainda não é finda,
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda.

Dá o sopro, a aragem - ou desgraça ou ânsia-,
Com que a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistemos a Distância -
Do mar ou outra, mas que seja nossa!

Fernando Pessoa, in " Mensagem" , Colecção Poesia , Edições Ática, 1959

2 comentários:

  1. Escrito por Pessoa, aí temos um hino ao "mar" da estreita vida portuguesa trágico-marítima e afogada, em jeito de prece... Uma poesia muito bela, cheia de um simbolismo transcendente e com duplicidade de sentidos, e inserida no livro "Mensagem", livro com que Fernando ganhou o único prémio literário que obteve em sua vida, em 1935, ano da sua morte. Um prémio "ex-aequo" com outro autor de que ninguém mais falou, tal a importância que esse outro premiado acabou por ter nos meios culturais!... E Pessoa concorreu porque António Ferro insistiu com ele para que concorresse. E lá lhes levou a "Mensagem", e - com a autoridade que tinha... - chamou a atenção do júri para Fernando Pessoa, quando este nunca manifestou qualquer interesse em prémios!... ("A minha vida gira em volta da minha obra literária, boa ou má, tudo o resto é secundário para mim!...") Os membros do júri, porventura sofrendo de "cegueira" e de ileteracia, não descortinaram mérito no poeta de que António Ferro lhes falava!... Mas, é preciso ter em conta que por esse tempo António Ferro tinha grande importância e influência política junto do governo de Salazar, de quem tudo dependia... E combinaram o tal "ex-aequo", para não ficarem mal nem com deus, nem com o diabo. Coisas que os humanóides tecem!... Nem sonhavam, nem intuiram que acabavam de atribuir um prémio ao maior e mais talentoso dos poetas contemporâneos dos últimos séculos. Antes de Fernando Pessoa, com dimensão igual ou maior, quem?!... Que poeta?... Poetas grandes, houve, como Garrett, João de Deus, como Antero de Quental... Mas mais "alto", e mais recuado nos tempos, só Luís Vaz de Camões!... Esta é uma história pequena, mas a verdadeira história desse prémio que Pessoa recebeu (sem qualquer prazer...) meses antes de falecer. Num Portugal pequenino de invejas e mesquinhez, nesse Portugal de então (anos 30 do século XX...), não se podia esperar outro tanto!... Fernado Pessoa aí está hoje, mais brilhante e maior do que nunca.

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  2. Muito mais haveria a dizer sobre o tão "celebrado" Prémio anual patrocinado pela SPN (Sociedade de Propaganda Nacional)... Para outra ocasião ficará.

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