sábado, 11 de fevereiro de 2012

É preciso criar outras palavras

«Ces mots durs et noirs, je n’ en ai connu le sens que dix ou quinze ans plus tard et, même aujourd’hui, ils gardent leur opacité : c’est l’humus de ma mémoire. » Jean Paul Sartre

«Não só os sentimentos criam palavras, também as palavras criam sentimentos.(…) São a vida e quase toda a vida – a razão e a essência desta barafunda. É com palavras que construímos o mundo. (…) Mas agora que os valores mudaram, de que nos servem estas palavras? É preciso criar outras, empregar outras, obscuras, terríveis, em carne viva, que traduzam a cólera, o instinto e o espanto.» Raul Brandão, in " Humus", Ed. Círculo de Leitores

A miséria das palavras

Não: não me falem assim na miséria, nos pobres
na liberdade.

Se a miséria e a pobreza
fossem o vómito que deviam ser posto em palavras,
a imaginação possuída e vomitada que deviam ser,
viria a liberdade por acréscimo,
sem palavras, sem gestos, sem delíquios.

Assim apenas se fala do que se não fala,
apenas se vive do que não se vive,
apenas liberdade é uma miséria
sem nome, sem futuro, sem memória.
E a miséria é isso: não imaginar
o nome que transforma a ideia em coisa,
a coisa que transforma o ser em vida,
a vida que transforma a língua em algo mais
que o falar por falar.

Falem. Mas não comigo. E sobretudo
sejam miseráveis, e pobres, sejam escravos,
no silêncio que à linguagem faz
imaginar-se mais que o próprio mundo.

Jorge de Sena, in "Poesias III", Edições 70, Lisboa 1988

1 comentário:

  1. Um Raul Brandão só muito mais tarde "searista" e co-fundador do "Movimento da Seara Nova", uma Brandão com uma escrita, fragmentada, aos bocados, viva, prvezes descomunal e desabalada, continuada de livro para livro, mas uma escrita tão poderosa, cheia e riscos belos e momentos sublimes, estilo que levou a reboque gerações de admiradores, até aos nossos dias. Nos seus "ditados" (ele ditava, gesticulando, cavando no largo salão da lareira longas passadas, e a Maria Angelina, sua mulher, escrevia...) mexeu com sentimentos e dores, com griros e palavras, com gritos e formas grotescas, com vivos´, insólitos, pesados, sofridos e agrestes, mas igualmente com uma imensidão de mortos, dos mortos que mesmo enterrados, continuavam a mandar, a ordenar aos vivos, como se ainda o fossem. Foi um homem sensível, algo hipocondríaco, gostando de se ver apagado, todavia um excepcional expectador, um expectador irrisistível perante a vida. Influenciou os seus contemporâneos e ainda continua a influenciar nos dias de hoje quem contacta com a sua obra admirável, quer como contista, escritor, panfletário, quer como pintor da política, da vida social, dos miseráveis, de toda sociedade pejada de pobres, de sombras, de enigmas. Ontem como hoje, será necessário criarmos outras palvras, outras e outras, muitas, já que nãpo podemos criar mais sentimentos ou modificar os que por aí pululam. Colocá-lo ao lado de Jorge Sena é o mais difícil... A sua influência extendeu-se a Sena de uma forma que ainda hoje é nítida em muitos lugares da sua multifacetada obra literária. Seria um tema para uma bela dissertação, para uma tese universitária... Os mais novos pegarão porventura na temática. Jorge Sena foi um pregador do mundo, usando a linguagem para apostrofar como para louvar, para vergastar como crítico como para louvar o que de bom, de muito bom o seu país produzia não só em Literatura, mas em Cultura, em Arte! Ao Jorge faltou-lhe vida (morreu aos 57 anos... na América, em Santa Bárbara, desgostoso com o seu país, com Portugal, com o caminho que o país levava...), faltou-lhe vida para completar (e muito!...) uma da maiores obras literárias da nossa Literatura. Infelizmente. Mesmo assim, deixou-nos tanto!... Continua a ser necessário criarmos novas palavras, novos amores à divulgação da ideia, do pensamento, da filosofia...

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