quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O mar rebentava sobre os rochedos

“ Poucos dias antes de partir quase passou o dia inteiro na praia, para se despedir do “nosso mar”, e fomos logo de manhã cedo lá para os lados do Nolasco. Desse dia conservo a recordação tão viva como se fosse ontem. Mas haverá expressões adequadas à descrição de dias tais? O mar, de vaga larga, rebentava sobre os rochedos da costa, enchendo de espuma todas aquelas ruínas de castelos fantásticos, nesse dia mais monumentais do que nunca. Mas foi caindo pouco a pouco e à tarde aparecia calmo, claro e cristalino, todo semeado de leixões multicolores. À volta, já quase noite, parámos no convento; o rio, em frente a Ferragudo, era de puro lilás que por toda a bacia se dissipava em gradações de lilás azulado, sob um céu de inalterável azul, esfumado de fogo. A serra parecia pegada à vila e soltava as pinceladas de púrpura que engrossavam a poente, e agitavam-se em rede que subia pelo céu.
Perante este espectáculo Maria Adelaide, que vinha palrando alegremente, emudeceu; o seu rosto tomou a expressão de êxtase, e de repente, apertando-me de encontro ao seio, murmurava-me ao ouvido, como quem diz um grande segredo:
_ « Que lindo que isto é …, quem pudesse andar vestida com estas cores… tu até havias de gostar mais de mim…»
Surpreendeu-me deveras este despertar para as belezas do mundo externo, e senti como que um novo laço a prender-nos os corações…”

Manuel Teixeira Gomes, in “ Maria Adelaide”, Romances Portugueses – Obras-Primas do Século XX coordenada e dirigida por David Mourão Ferreira, Círculo de Leitores 1986

Vista de Ferragudo

1 comentário:

  1. David Mourão-Ferreira foi um apaixonado pela leitura dos livros de Manuel Teixeira Gomes. E não só ele, o Urbano Tavares Rodrigues, igualmente e sublinhante. Eis Ferragudo, a Ponta do Altar, a Praia Grande, todos estes lugares tão amados estão sobejamente retratados na prosa de Teixeira Gomes!... Em "Maria Adelaide", a paixão devoradora, o cheiro sensual e forte a desejo permanente e gritado, o namoro cortês e "branco", quando todo o fundo desta belíssima obra literária possui todos os matizados, todas as cores que o olho humano distingue. Lembrar o oiro da costa algarvia, neste sol de inverno ligeiramente frio, através dos "pincéis" deste grande epicurista (M.T.G.) é amplamente oportuno, agora que se tende a esquecê-lo novamente, contados que foram 150 anos sobre o seu nascimento!

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