domingo, 18 de dezembro de 2011

Ao Domingo Há Música


Chamam-me a embaixatriz da música de Cabo Verde e da música africana, rainha das mornas, diva dos pés descalços. Também já me chamaram “grogue velho” e “vinho do Porto”. Dizem que é por cantar cada vez melhor. Deve ser por isso que em França escrevem que eu lembro a Edith Piaf, em Portugal já me perguntaram se eu me considerava a Amália Rodrigues de Cabo Verde, os que gostam de jazz sempre falam de Billie Holiday, e até já me mostraram um jornal onde estava escrito que eu era a “Bessie Smith dos Trópicos”. Cesária Évora

Cesária Évora morreu ontem no hospital Baptista de Sousa, na ilha cabo-verdiana de São Vicente. A cantora sucumbiu por “insuficiência cardiorrespiratória aguda e tensão cardíaca elevada”, conforme informação hospitalar.
Era a expressão internacional da música de Cabo Verde. Aclamada nos palcos de todo o  mundo, fora obrigada a retirar-se por motivos de saúde, em Setembro passado. Editou ao longo da sua carreira artística cerca de 24 álbuns com grande  sucesso quer pela qualidade interpretativa, quer pelo enorme  volume  de vendas.
Recebeu vários galardões e homenagens onde estão incluidos um Grammy e a medalha da Legião de Honra concedida pelo Governo francês.
Viveu 70 anos ( 1941-2011),  contudo a sua voz  perdurará através dos magnificos registos que legou ao mundo.
 uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!


E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...”
Florbela Espanca

Na extensa discografia de  Cesária Évora , "Sodade" é a canção mais emblemática   e " Mar Azul" representa o fulgor dos sons quentes de Cabo Verde. É com estas duas excelentes melodias que celebraremos, em crioulo cabo verdiano,  a voz maior de uma grande cantora da Lusofonia , neste Domingo que precede o Natal.



Sodade

Quem mostro'b
Ess caminho longe?
Quem mostro'b
Ess caminho longe?
Ess caminho
Pa São Tomé

Sodade sodade sodade
Dess nha terra d'São Nicolau

Si bo t'screve'm
M'ta screve'b
Si bo t'squece'm
M'ta squece'b
Até dia
Ke bo volta

Sodade sodade sodade
Dess nha terra d'São Nicolau

Armando Zeferino Soares



O... Mar, detá quitinho bô dixam bai
Bô dixam bai spiá nha terra
Bô dixam bai salvá nha Mâe... Oh Mar
Mar azul, subi mansinho
Lua cheia lumiam caminho
Pam ba nha terra di meu
São Vicente pequinino, pam bà braçá nha cretcheu...
Oh... Mar, anô passá tempo corrê
Sol raiá, lua sai
A mi ausente na terra longe... O Mar

2 comentários:

  1. Calou-se definitivamente a maior e mais conhecida voz das Mornas e Coladeras Cabo-Verdeanas!... Ninguém é eterno,embora vivamos nessa doce ilusão que o somos para todo o sempre. E isso por si só dá-nos uma força enorme para viver, nos libertarmos da precaridade de uma vida terrena chã... Um grave acidente vascular cerebral ocorrido há uns meses em terras de França abalou-a tão fortemente que Cesárea Évora, nunca mais pôde cantar. Desenganada pela ciência médica de qualquer recuperação possível, foi morrer à sua terra, ao Mindelo, a São Vicente, como desejaria que acontecesse um dia mais tarde, certamente. Uma madrugada já vai seu longo tempo... viajámos com essa inolvidável "dama dos pés nus". Humildemente caminhando com dores, na fila longa em direcção ao check-in para o voo da Tap, Sal- Lisboa, lá vinha ela com dois sacos de plástico nas mãos. Ia nessa madrugada "a caminho" da Holanda, com escala em Lisboa e em Paris, levar essa sua melodiosa voz e a lenda e a angústia do "Caminho pa São Nicolau" a uma Europa que só conhecia Cabo Verde através das melodias de Cesária... No banco ao lado, sentíamos toda a noite o seu respirar ofegante. Posso garantir que não a vi dormir durante toda a viagem, porque eu também não dormi. Cansada, expirações longas sugerindo a sua insuficiência respiratória e provavelmente cardíaca. Falámos pouco. Parecia-nos vir da distância, olhar vivo, voz afável, falas simpáticas, mas expressão larga e vaga, como quem cumpria um destino, a de ser Embaixadora Itenerante do seu País por esse mundo fora. Até ao último momento. Adeus Cesárea!.... Fica-nos a tua belíssima voz, expressa especialmente nas mornas de que gostamos tanto, mas sobretudo resta-nos o teu olhar melancólico, o teu cansaço físico,a tua imensa Humildade, que aqui e nesta hora celebramos com respeito e "sôdade", inesquecível "sôdade"!... Como tu cantavas... Vou "screvê, vou screvê, té dia de "não voltar"!... Varela Pires

    ResponderEliminar