sábado, 12 de novembro de 2011

Tempo e Poesia

«O que nem Filosofia nem Ciência nos concedem, um só verso, um daqueles que Mallarmé dizia “interminavelmente belo” no-lo oferece,  porque nele regressamos e nele somos o Tempo que em tudo o mais esquecemos mas que jamais nos esquece. Este é o mistério, o lúcido e inexpugnável mistério da Poesia: o Tempo — nós como Tempo — tornado sensível, audível, dizível e através dessa aparição nos oferecendo a desesperada e alta eternidade, a familiar “luz perpétua” que nós próprios fabricamos ardendo e vendo-nos arder como árvores vivas no fogo temporal.»
Eduardo Lourenço, in “ Tempo e Poesia”, Gradiva  Publicações, Portugal

Quadragésima segunda carta a M.M.

Temos a certeza de que hoje é hoje
e não ontem nem amanhã
mas a sequência dos dias é tão entrançada
que o dia de hoje
foi o amanhã de ontem
E será o ontem de amanhã.
É sempre hoje o dia em que temos de fazer
o que não faremos senão nesse dia
e que será sempre irrepetível,
por muito semelhante que seja ao  de outros dias.
Os passos que damos vão através do tempo,
ou seja do que não é ainda e está a ser já.
É este vazio que se preenche que é o tempo,
que não é vazio em si mas para nós.
Entre o que ainda não somos e o que já somos
há uma contínua oscilação que é a nossa urgência
de sermos o que ainda não somos e de sermos já o que vamos ser.

António Ramos Rosa, in “ Cartas Poéticas entre António Ramos Rosa e Manuel Madeira”, Livros do Mundo, Faro, Portugal

1 comentário:

  1. António Ramos Rosa, patrono da Biblioteca Municpal de Faro, é sem sombra para dúvidas, dos nossos maiores poetas vivos, desses que sentimos vivos, o mais premiado, tanto no país, como por esse mundo fora, internacionalemente. Para ele, "Interminavelmente belo", como Mallarmé ditou, o poema é a tradução da razão do ser das nossas vidas. Pela Poesia, é que vamos... António é sobejamente conhecido e estudado multidisciplinarmente, principalmente no âmbito universitário. Como ele, Ramos Rosa, muito bem chama a atenção de outro grande poeta, Manuel Madeira, na "carta poética" que lhe dirige, outro poeta com obra feita, publicada, e da mesma geração, o que urge "é a nossa urgência de sermos o que ainda não somos e de sermos já o que vamos ser". Por isso mesmo, caminhamos com o poeta, na premência do sermos, o que ultrapassa qualquer dúvida do que somos ou apresentamos no momento que vigiamos. Na qualidade de apresentadores dessa obra poética publicamente e de prefaciadores de "Cartas Poéticas entre António Ramos Rosa e Manuel Madeira", vindo a lume através da Editora "Livros do Mundo", remetemos quem nos lê para a referida obra, bem como para o prefácio que a antecede. Quem conhece pessoalmente Ramos Rosa sabe as voltas que este poeta consegue dar à palavra, envolvendo-a tempos infinitos, levando-a por trilhos insondáveis, sonhando-a palpável e volúvel como toda a palavra poética, e de seguida, elevá-la à altura da necessidade que qualquer de nós, todos, sentiremos dela!..." É sempre hoje o dia que temos que fazer"... - Varela Pires

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