sábado, 22 de outubro de 2011

GENTE , Grande Gente

 O AUGUSTO E A MARGUERITE
                      E O CARLOS PAREDES
   Por Varela Pires
 Se houve alma em que a simplicidade e a bondade se acasalaram melhor, essa alma pertenceu a Augusto Gil, o poeta que não se levava a sério… Sim! O Augusto Gil, Notário e Conservador do Registo Civil, autor do “Luar de Janeiro”, da “Alba Plena”, da “Balada da Neve”…
 Nascido na alta e fria cidade da Guarda, o poeta veio a formar-se em Direito em Coimbra, e por Lisboa andou ganhando a vida como amanuense, envolvido numa certa aura boémia inesquecível e vertiginosa.
Quem ainda se lembra dos livros escolares do Ensino Primário trazerem… “Batem leve, levemente/ Como quem chama por mim/ Será chuva, será gente? / Gente não é certamente/ E a chuva não bate assim…” Quem?...
Não foi apenas um poeta romântico, melancólico, mas também dotado de uma fina perspicácia e de uma ironia singular. Como pessoa, o Gil foi de uma bondade excepcional, que convocava amigos em cada encontro. Incapaz de trair ou caluniar alguém, foi vítima de alguns que abusaram da sua bonomia de alma. Porém, a hipocondria também nunca o largou, e por fim acolheu-se à cama, então já verdadeiramente doente.
Encetou muito cedo um namoro com a filha de um médico, gente abastada da cidade da Guarda, pertencendo a uma classe social a que o Gil nunca aspirou. Namoro contrariado por razões económicas... No entanto, sempre fiel a essa relação, ele esperou 23 anos!... Esperaram ambos pelo falecimento dos pais da jovem senhora, para se registarem oficialmente como casados. E juntos, viveriam somente 6 anos!...  Coisas, que a sociedade desse tempo e os seus quês e porquês geravam!... E igualmente uma estranha forma de anularem o futuro, a independência e a vida dos filhos.
 Os poetas embelezam tudo quanto tocam. Não é Eugénio?!... Não é Herberto?!... Não é Manuel Madeira?!... Pois, num dos momentos em que não fazia jus ao seu talento, o Augusto Gil escreveu, como que zombando dele próprio. “Antes eu não tivesse algum talento / E fosse o parvo alegre que além vem…”.
O Augusto Gil era uma alma feita de excelência.
 Marguerite Yourcenar. Escritora francesa, historiadora, poetisa, crítica de arte e de literatura. A primeira mulher a ser eleita para a Academia da França. Tinha então 77 anos. Na sua obra é difícil saber onde começa a autobiografia e acaba a ficção, ou onde se inicia a ficção e termina a autobiografia. Isso sucedeu com outros escritores, como Balzac, Guy de Maupassant, Charlles Dickens, e os nossos Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro.
Órfã de mãe desde muito cedo, aversa à vida religiosa que lhe destinavam, Marguerite preferiu sempre uma original forma de “vagabundagem” por esse mundo fora, paixão que ela definia como…  “Só se está bem , onde não se está…”. Assim torna-se viajante impenitente… Marguerite Yourcenar esteve por duas vezes em Faro, e frequentou o centenário “Café Aliança”, hoje infeliz e estranhamente encerrado pelas autoridades. Este encerramento, de uma das mais célebres salas da Cultura Algarvia, é um dos exemplos das muitas vergonhas por que vamos passando…
 Marguerite adquiriu a nacionalidade americana, foi companheira durante cerca de 40 anos de Grace Frick, que morreu de cancro. Aos 75 anos apaixona-se pelo jovem músico e fotógrafo Jerry Wilson de 28 anos, seropositivo, que morre de meningite em 1986, numa viagem à Índia.
 Aos 84 anos, Marguerite vai ao encontro da morte, quando é acometida por um grave acidente vascular cerebral. Apesar dos seus múltiplos amores, Marguerite “recordou” sempre a mãe que não conheceu, e morre na mais completa solidão. 
 A autora de “Memórias de Adriano”, de “A Obra ao Negro”, e de “O Tempo, esse Grande Escultor…” nasceu só e acabou só, como qualquer mortal.
Carlos Paredes, o exímio músico e guitarrista. O compositor genial. Conhecemo-nos no Hospital de São José. Ganhava a vida como funcionário dos Hospitais Civis de Lisboa, como arquivista das películas radiográficas.
Trabalho humilde e honrado, mas pago miseravelmente. Todo o dia sem ver o sol, à luz eléctrica, metido num cubículo poeirento e húmido, adjacente à sala de arquivo.
Ali, quebrando os olhos, quase ostracizado, passava o Carlos Paredes o seu dia a dia. Ali fechado, quase ia cegando o maior génio da música tocada com guitarra portuguesa, que haveria após cada actuação de abafar em aplausos as maiores salas de espectáculo.
Assim se tratavam (e tratam ainda…) em Portugal os maiores artistas!... Os mesmos, que internacionalmente são considerados excepcionais e colocados na galeria dos grandes génios!VARELA PIRES        

1 comentário:

  1. Carlos Paredes!... E já seu pai, Artur Paredes, que fundou uma escola de ensino da guitarra foram exímios tocadores de guitarra! Como poucos, muito poucos, entre eles o António Portugal! Uma palavra muito especial, um destaque para Carlos Paredes que foi humilde no trato, como tão gigante na Arte. E especialmente muito paciente... Deixou-nos uma imensa saudade, difícil de mitigar!... - V. P.

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