quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Morreu Júlio Resende

«O Desenho é expressão de um consciente que o particulariza»
                                                                                                 Júlio Resende

Júlio Resende morreu ontem, em Valbom, Gondomar, aos 93 anos na casa da sua Fundação.
Júlio Resende nasceu a 23 de Outubro de 1917 no Porto e começou a frequentar a Escola de Belas-Artes, em 1937 .  "... Mas eu queria, efectivamente, ser pintor!Talvez o destino me tenha proporcionado o primeiro passo. Aurora Jardim, figura conhecida nos meios literários e jornalísticos do Porto, intercedera junto do pintor Alberto Silva que dirigia, então, a Academia Silva Porto, para que eu viesse a frequentar as lições de pintura aí ministradas. Comprei a primeira caixa de tintas «a sério», e aprendi a colocar as cores na paleta, segundo as boas regras."- ( em  Memórias no Lugar do Desenho).
Júlio Resende tem um percurso longo de grandes realizações que atravessa dois séculos . Conheceu e conviveu com outros grandes vultos da cultura nacional e  mundial. É, em 1946, que faz a primeira exposição em Lisboa, cidade onde conhece Almada Negreiros.Na década de 1950, fixa-se no Porto,  e o tema da sua pintura passa a ser a gente do mar . Reparte, então,  a sua actividade entre  a arte e o ensino e vai apresentando a sua obra em exposições individuais por diversos países como Espanha, Bélgica, Noruega e Brasil. Por vários anos, foi o representante de Portugal em exposições colectivas nas Bienais de Veneza, Ohio, Londres, Paris e São Paulo, nesta última destacando-se em 1951, quando venceu o Prémio Especial da Bienal. Professor do ensino secundário, ganha em 1952 o Prémio da 7.ª Exposição Contemporânea dos Artistas do Norte, ano em que também executa um fresco da Escola Gomes Teixeira, Porto e faz investigação sobre desenho infantil.

Estudo para o painel de azulejos da Estação do Metropolitano de Sete Rios
Em 1959, volta a surpreender, conseguindo uma menção honrosa, e dez anos depois, vence o Prémio Artes Gráficas na Bienal de Artes de S. Paulo, com ilustrações do romance "Aparição" de Vergílio Ferreira.
Nos anos 1960, Resende interessou-se ainda por projectos de decoração e arquitectura, colaborando na decoração do Palácio da Justiça de Lisboa, para onde realizou seis painéis em grés. No Porto, criou dois painéis cerâmicos para o Hospital de São João e ainda o gigantesco painel de azulejos "Ribeira Negra" existente à saída do tabuleiro inferior da Ponte de D. Luís I. Os painéis acabariam mesmo por se tornarem num dos seus trabalhos mais apreciados.
Júlio Resende foi nomeado Membro da Academia Real das Ciências, Letras e Belas-Artes Belgas, em 1972, e em 1982 recebeu as insígnias de Comendador de Mérito Civil de Espanha atribuídas pelo Rei de Espanha.
Em Portugal foi distinguido com o Prémio AICA (Associação Internacional de Críticos de Arte) em 1985. Foi o responsável pela ilustração da obra de Fernando Namora “Retalhos da Vida de um Médico”. Em 1997 recebe, a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique e realiza a decoração de azulejos da estação do Metropolitano de Lisboa de Sete Rios. Sobre  o  painel da estação de Sete Rios do Metropolitano de Lisboa diria :”
Afirmo que a pintura sempre se envolve no objectivo final de servir a causa dos espaços públicos, sentido esse que a enobrece. A sua função não se limita a “decoração” de um dado espaço mas a dotá-lo de um sentido próprio e inconfundível.A sua natureza de estação foi respeitada no confuso espaço interior no qual se dão os cruzamentos direccionais de linhas.O objectivo da estação de que sou autor, foi de tornar esse espaço animado como uma continuidade do clima exterior.Dada a proximidade do Jardim Zoológico, entendi natural que a vida animal e vegetal servissem de motivação no tratamento das paredes e dos pavimentos. Os estudos foram feitos à exaustão mas a execução foi de um grande improviso respeitando o princípio que nenhum sinal é repetível!…

Os azulejos foram realizados na Fábrica Viúva Lamego em Sintra, onde sempre encontrei o melhor ambiente de trabalho e colaboração.”(Júlio Resende, Outubro 2010, In “ O Lugar do Desenho”).

 Sobre Júlio Resende, Eugénio de Andrade escreveu " Como muitos outros artistas contemporâneos, Júlio Resende é um ser dividido entre a angústia e a esperança. O tempo que a sua obra reflecte não é como em Klee ou em Millares, um arquétipo: nem cristalino, nem pulverizado. Quem faz esta pintura, se não ignora a perpétua miséria da figura humana , acredita , contudo , que ainda é possível acordar de olhos transparentes num horizonte de juncos e  barcos." e conclui " Júlio Resende é um cantor da terra, desta realidade áspera e amarga que cada um de nós tem obrigação de trornar mais habitável. Só dela está empenhado em falar, e de maneira directa, quero eu dizer, sem outras perplexidades que as decorrentes de um processo que busca conciliar visão e expressão num acorde perfeito. É o visível que o pintor procura tornar mais visível. A respiração do mundo é tão -só o que nos quer comunicar, pois toda a maravilha da vida se cifra na consciencia de se estar vivo, Convenhamos que não é pequena a tarefa." ( Eugénio de Andrade, " Resende entre a Angústia  e a Esperança", in" Os Afluentes do Silêncio", Editorial Inova Limitada, Dezembro 1970)

O funeral do artista realiza-se, hoje, quinta-feira. Às 16h será celebrada a missa de corpo presente na Igreja Matriz de Valbom, seguindo o funeral às 16:45 horas para o Cemitério de Valbom .
O Lugar do Desenho foi criado pela Fundação Júlio Resende com vista a promover o trabalho do pintor, composto por cerca de duas mil obras. Saiba mais sobre o artista e a sua visão do mundo aqui

2 comentários:

  1. Pintar (como Júlio Resende o fazia...)é como dirigir almas à distância,almas desconhecidas,almas que percorrem sós os canminhos, almas pedintes, almas sedentas, sequiosas de quem as oiça, de quem lhes transmita outro modo de ver a vida, os outros, o mundo em si, num profundo acto religioso, como o acto do desenho, o gesto da mão quando suporta os pincéis... Resende partiu. A sua obra viva ficou comnnosco!- Varela Pires

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  2. AINDA A TEMPO...
    Quem se lembra DE AURORA JARDIM, mencionada por Júlio Resende nas suas memórias. E das suas famosas "Cartas"?... Uma das poucas mulheres que vindo do povo, se dedicou a ensiar o povo, em especial os mais desfavorecidos. Era muito estimada nos círculos literários do Porto... Ainda existem um ou outro livro publicado por ela nas livrarias. Não só escritora, publicista, mas uma mulher que se ddistinguiu no seu tempo. Se tivesse nascido homem, teria feito parte certamente da tão famosa e triplicada "Associação dos Homens de Letras do Porto". - Varela Pires

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