quinta-feira, 14 de julho de 2011

Inéditos de Guerra Junqueiro


Um dia, disse Guerra Junqueiro para o seu amigo Luís de Oliveira Guimarães: "Os políticos consideram-me um poeta; os poetas, um político; os católicos julgam-me um ímpio; os ateus, um crente" (1).
Mais tarde, Helena Rocha Pereira, diria: "Entre os grandes poetas que brilharam na segunda metade do nosso século XIX, nenhum provocou mais desencontradas críticas à volta da sua obra do que Guerra Junqueiro."(2)
 Guerra Junqueiro é notícia nos jornais de hoje ,neste 14 de Julho em que os franceses festejam a tomada da Bastilha. Novos escritos deste grande poeta português foram descobertos. Manuscritos que se acreditam autênticos e  que aumentam a obra que nos legou.
"Quase mil documentos entregues na Livraria Lello
Descobertos no Porto manuscritos inéditos de Guerra Junqueiro
Perto de um milhar de manuscritos, todos inéditos, de Guerra Junqueiro foram descobertos no baú duma casa privada, no Porto. A notícia foi avançada ontem à noite pela Antena 1, que cita e ouve Antero Braga, livreiro da Lello, no Porto, a garantir a autenticidade dos documentos e da autoria.
“Isto é Guerra Junqueiro, posso garantir. A letra é inimitável. Só não sei avaliar o que tenho na mão”, diz o livreiro, sem divulgar a origem dos manuscritos que lhe chegaram às mãos. Antero Braga acrescenta que terão originalmente pertencido a alguém que tinha relações de amizade e de grande proximidade com o poeta e político.
O achado, considerado de valor incalculável, é constituído por correspondência diversa, manuscritos e mesmo projectos de textos, todos datados do final da década de 1880. Antero Braga acrescenta que os manuscritos irão agora ser estudados, e não deixa de manifestar “alguma preocupação” quanto ao seu destino.
Abílio Guerra Junqueiro nasceu em Freixo de Espada à Cinta, em 1850. Estudou Teologia, mas formou-se em Direito na Universidade de Coimbra. Foi funcionário público, e enveredou pela vida política, primeiro como deputado do Partido Progressista, depois abraçando a causa republicana. Como escritor e poeta, tornou-se um dos autores mais populares da sua época, com livros como “A Velhice do Padre Eterno”, “Os Simples”, “Pátria” e “Horas de Com
bate”. Morreu em Lisboa em 1923, com 72 anos.” In Jornal “Público” , 14 de Julho
(1) Luís de Oliveira Guimarães, "Junqueiro e o Bric-à-Brac", Lisboa, 1942
(2) Maria Helena da Rocha Pereira, "As Imagens e os Sons na Lírica de Guerra Junqueiro", Lisboa, Livraria Portugália, 1950

Portugal
Maior do que nós, simples mortais, este gigante
foi da glória dum povo o semideus radiante.
Cavaleiro e pastor, lavrador e soldado,
seu torrão dilatou, inóspito montado,
numa pátria... E que pátria! A mais formosa e linda
que ondas do mar e luz do luar viram ainda!
Campos claros de milho moço e trigo loiro;
hortas a rir; vergéis noivando em frutos de oiro;
trilos de rouxinóis; revoadas de andorinhas;
nos vinhedos, pombais: nos montes, ermidinhas;
gados nédios; colinas brancas olorosas;
cheiro de sol, cheiro de mel, cheiro de rosas;
selvas fundas, nevados píncaros, outeiros
de olivais; por nogais, frautas de pegureiros;
rios, noras gemendo, azenhas nas levadas;
eiras de sonho, grutas de génios e de fadas:
riso, abundância, amor, concórdia, Juventude:
e entre a harmonia virgiliana um povo rude,
um povo montanhês e heróico à beira-mar,
sob a graça de Deus a cantar e a lavrar!
Pátria feita lavrando e batalhando: aldeias
conchegadinhas sempre ao torreão de ameias.
Cada vila um castelo. As cidades defesas
por muralhas, bastiões, barbacãs, fortalezas;
e, a dar fé, a dar vigor, a dar o alento,
grimpas de catedrais, zimbórios de convento,
campanários de igreja humilde, erguendo à luz,
num abraço infinito, os dois braços da cruz!
E ele, o herói imortal duma empresa tamanha,
em seu tuguriozinho alegre na montanha
simples vivia – paz grandiosa, augusta e mansa! -,
sob o burel o arnês, junto do arado a lança.
Ao pálido esplendor do ocaso na arribana,
di-lo-íeis, sentado à porta da choupana,
ermitão misterioso, extático vidente,
olhos no mar, a olhar sonambolicamente...
«Águas sem fim! Ondas sem fim! Que mundos novos
de estranhas plantas e animais, de estranhos povos,
ilhas verdes além... para além dessa bruma,
diademadas de aurora, embaladas de espuma!
Oh, quem fora, através de ventos e procelas,
numa barca ligeira, ao vento abrindo as velas,
a demandar as ilhas de oiro fulgurantes,
onde sonham anões, onde vivem gigantes,
onde há topázios e esmeraldas a granel,
noites de Olimpo e beijos de âmbar e de mel!»
E cismava, e cismava... As nuvens eram frotas,
navegando em silêncio a paragens ignotas...
– «Ir com elas...Fugir...Fugir!...» Ûa manhã,
louco, machado em punho, a golpes de titã,
abateu, impiedoso, o roble familiar,
há mil anos guardando o colmo do seu lar.
Fez do tronco num dia uma barca veleira,
um anjo à proa, a cruz de Cristo na bandeira...
Manhã de heróis... levantou ferro... e, visionário,
sobre as águas de Deus foi cumprir seu fadário.
Multidões acudindo ululavam de espanto.
Velhos de barbas centenárias, rosto em pranto,
braços hirtos de dor, chamavam-no... Jamais!
Não voltaria mais! Oh! Jamais! Nunca mais!
E a barquinha, galgando a vastidão imensa,
ia como encantada e levada suspensa
para a quimera astral, a músicas de Orfeus:
o seu rumo era a luz; seu piloto era Deus!
Anos depois, volvia à mesma praia enfim
uma galera de oiro e ébano e marfim,
atulhando, a estoirar, o profundo porão
diamantes de Golconda e rubins de Ceilão!

Guerra Junqueiro, in “ Pátria” 7ª edição, Porto, Lello & Irmão – Editores, 1950

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