sábado, 19 de fevereiro de 2011

Viajar, a explosão dos sentidos

Para Michel Onfray  "viajar pressupõe a confusão de todos os sentidos". O seu livro,  "Teoria da Viagem – uma poética da geografia", é um  ensaio sobre a ontologia da viagem, enquanto percurso de um  "eu". De acto iniciático à poética do eu  , as páginas somam-se  em extraordinárias reflexões sobre as diversas etapas daquele que se dispõe e se abre à viagem.
Sendo o Sábado, um dia que propicia o desejo de viajar e o tempo para a leitura, vamos recuperar algumas passagens deste livro, publicado em Portugal, em Abril de 2009. 
Onfray constroi todo o texto tentando dar respostas a questões tão simples e seculares como estas: "Por que somos impelidos para o movimento constante, a deslocação - ou amamos o imobilismo e as raízes? Por que mantiveram alguns povos a sua marcha permanente, atravessando continentes? E por que se dedicaram outros a um só lugar, onde cuidaram dos seus campos? A energia que anima estas diferentes formas de vida, estes dois arquétipos, é a mesma que anima o resto do universo, e que as combina em cada um de nós".


Partir para um sítio é na maioria das vezes ir ao encontro dos lugares-comuns associados desde sempre ao destino eleito.(...) Entre o desejo de encontrar os lugares-comuns que habitam o nosso espírito e o de visitar uma terra absolutamente virgem existe um meio-termo. (...)Viajar pressupõe não tanto um espírito missionário, nacionalista, eurocentrado e limitado, mas uma vontade etnológica, cosmopolita, descentrada e aberta. O turista compara, o viajante separa. O primeiro fica à porta de uma civilização, aflora uma cultura e contenta-se em vislumbrar a sua espuma, em apreender os epifenómenos, à distância, qual espectador empenhado, militante do seu próprio enraizamento; o segundo esforça-se por entrar num mundo desconhecido, desacautelado, qual espectador liberto, preocupado não em rir ou chorar, julgar ou condenar, absolver ou resolver anátemas, mas sim desejoso de apreender esse mundo interior, compreender. O comparador designa sempre um turista, o anatomista indica um viajante.(...)
Nós próprios, eis a grande questão da viagem. Nós próprios e nada mais. Ou pouco mais. Pretextos, ocasiões, múltiplas justificações, sem dúvida, mas de facto fazemo-nos à estrada movidos unicamente pelo desejo de nos reencontramos, ou mesmo de nos encontrarmos.(...)Toda a viagem é iniciática – do mesmo modo que qualquer iniciação não deixa de ser uma viagem. Antes, durante e depois descobrem-se verdades essenciais que estruturam a identidade.
Longe de constituir uma terapia, a viagem define uma ontologia, uma arte de ser, uma poética do eu.(...) voltar é decidir não permanecer.
Basta sentirmo-nos nómadas uma vez, para sabermos que voltaremos a partir, que a última viagem não será a derradeira.(...)Ponderar uma nova partida pressupõe assim uma inovação e não uma repetição.”
Michel Onfray, in ” Teoria da Viagem – uma poética da geografia”,  Editora Quetzal, 2009

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