terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Otto René Castillo, poeta e revolucionário guatemalteco

Quem acede aos registos literários sobre   Otto René Castillo depara-se com esta informação: "poeta y revolucionario guatemalteco. Murió asesinado por el ejército de su país el 19 de marzo de 1967 en la Sierra de las Minas."
Manoel de Andrade, poeta brasileiro,  que  tal como Otto Castillo, viveu a experiência do exílio na América Latina , escreveu um excelente artigo sobre este heróico poeta   do qual  transcreveremos alguns excertos. " O sonho e o martírio de um poeta" é o título do artigo que  faz parte de um extenso livro, ainda  em construção, sobre as memórias da sua diáspora por um continente mergulhado no despotismo dos "tempos sujos" da ditadura, onde a luta também  era feita pelos poetas guerrilheiros.

Intelectuais apolíticos
Um dia
os intelectuais
apolíticos
do meu país
serão interrogados
pelo homem
simples
do nosso povo.


Serão perguntados
sobre o que fizeram
quando
a pátria se apagava
lentamente,
como uma fogueira frágil,
pequena e só.

(...)
Ninguém lhes perguntará
sobre suas justificações
absurdas,
crescidas à sombra
de uma mentira rotunda.
Nesse dia virão
os homens simples.
Os que nunca couberam
nos livros e versos
dos intelectuais apolíticos,
mas que vinham todos os dias
trazer-lhes o leite e o pão,
os ovos e as tortilhas,
os que costuravam a roupa,
os que manejavam os carros,
cuidavam dos seus cães e jardins,
e para eles trabalhavam,
e perguntarão,
“Que fizestes quando os pobres
sofriam e neles se queimava,
gravemente, a ternura e a vida?”

Intelectuais apolíticos
do meu doce país,
nada podereis responder.

Um abutre de silêncio vos devorará
as entranhas.
Vos roerá a alma
vossa própria miséria.
E calareis,
envergonhados de vós próprios
Otto René Castillo


Otto René Castillo: O sonho e o martírio de um poeta
por Manoel de Andrade
 Em meados de 1969, um exilado político guatemalteco me contou, em Santiago do Chile, a incrível história de um poeta queimado vivo em seu país. Em fins de 1970, quando de minha passagem pela Nicarágua, alguns intelectuais de esquerda e militantes sandinistas também comentaram sobre o poeta-guerrilheiro Otto René Castillo, supliciado até a morte pela ditadura da Guatemala, em 1967.  Mas foi com os relatos dos poetas salvadorenhos que passei a construir a imagem heroica desse grande revolucionário.
 Cheguei em San Salvador em janeiro de 1971 e, pelas referências que levava, de pronto fiz contato com alguns poetas salvadorenhos. A poesia borbulhava na Capital e uma jovem geração de excelentes poetas comandava a vida intelectual do país. Conheci alguns deles, e partilhei bons momentos de literatura, política e debate ideológico com Manlio Argueta,  José Roberto Cea,  Roberto Armijo, o veterano Tirso Canales e, o mais jovem deles, Alfonso Quijada Urias.  Todos, na época, na média dos 30 anos e quase todos, com várias premiações em diversos certames literários centro-americanos. Esses poetas, — integrantes de um grupo de brilhantes poetas, que ficou conhecido como a “Geração Comprometida”— alistaram seus versos nas trincheiras das lutas sociais e muitos deles foram perseguidos, encarcerados, torturados e exilados por empunhar a bandeira de um dos povos mais oprimidos e massacrados da América. Guardo há quarenta anos as palavras fraternas que Tirso Canales escreveu ao me presentear a coletânea poética De aqui em adelante, onde partilha suas 200 páginas com Argueta, Armijo, Cea e Quijada Urias.  Foram ele e Manlio Argueta que me falaram da solidária relação ideológica e literária que os ligou a Otto René Castillo em San Salvador, onde chegou exilado, em 1954, após o golpe do coronel Carlos Castillo Armas contra o governo democrático de Jacobo Arbenz, na Guatemala.
 Filho de uma família de classe média, Otto René Castillo nasceu em 1936 em Quetzaltenango, a segunda cidade do país. Sua precoce militância estudantil e revolucionária o obriga, com apenas 18 anos, a fugir da Guatemala e asilar-se em El Salvador, onde sobrevive trabalhando como vigia, pintor de parede e vendedor de livros. Apesar das dificuldades, ingressa na Universidade e entra numa fecunda fase de organização política e produção poética, despertando a atenção dos círculos de cultura salvadorenha ao ganhar, com apenas 19 anos, o Prêmio Centro-Americano de Poesia o qual lhe abre as portas da imprensa para a publicação de seus poemas. Sua poesia dessa época traz a marca de uma profunda nostalgia da pátria, cantando a dor de seu povo oprimido e a condição em que sobreviviam as comunidades indígenas, secularmente exploradas pelas oligarquias agrárias e as grandes empresas bananeiras norte-americanas. (...)  Apesar da sua juventude, revela-se um intelectual influente, enfatizando a necessidade de engajamento da arte e da literatura com as circunstâncias político-sociais por que passava o cenário centro-americano da época, governado pelos títeres do imperialismo norte-americano como os Somosas, Duvaliers, Trujillos etc. Com esse espírito, desfralda a bandeira da poesia com as cores das lutas sociais, seguindo os sulcos das primeiras trincheiras poéticas abertas no Continente, por César Vallejo, Miguel Hernandez, Nicolas Guillén e Pablo Neruda.
Seus três anos de exílio em El Salvador foram assinalados por uma intensa atividade política e literária. Nesse período, por várias vezes cruzou clandestinamente as fronteiras da pátria para manter-se informado dos planos revolucionários, cujas sementes de justiça social e liberdade germinariam alguns anos depois, nos embates da longa Guerra Civil, que por 36 anos mergulharia o país nas águas sangrentas de um imenso massacre social.
(...) ao terminar seus estudos na Alemanha, regressa em 1964 a seu país, reiniciando sua apaixonada militância política e cultural ao partilhar as atividades clandestinas da luta armada com a direção do Teatro Municipal da Cidade de Guatemala. Contudo, no ano seguinte, quando se preparava para filmar, nas montanhas, as atividades guerrilheiras das Forças Armadas Rebeldes (FAR), é preso e novamente enviado para o exílio. Pela sua capacidade e coerência ideológica, as organizações revolucionárias da Guatemala o nomeiam representante do país no Comitê Organizador do Festival Mundial da Juventude a realizar-se na Argélia e, com essa missão, percorre a Alemanha, Áustria, Hungria, Chipre, Argélia e Cuba, onde se detém por alguns meses a fim de vivenciar toda a rica experiência social e política com que a Revolução Cubana instalava o socialismo no país.(...)ao chegar à Guatemala em 1966, Otto René Castillo retoma a bandeira pela dignidade do seu povo. De uma pátria onde 90% da população não tinha terra para  semear sua própria sobrevivência. Uma pátria de excluídos, socialmente abandonados à própria sorte e onde 70% de seus irmãos não aprendera a ler. Ele sabia que sem a guerra ninguém iria repartir a terra e é nesse impasse na história de seu povo que  incorpora-se às Forças Armadas Rebeldes (FAR) comandadas por César Montes, ocupando-se do setor de Propaganda e Educação da Frente Edgar Ibarra. Cerca de um ano depois, em março de 1967, quando parte da Frente deslocava-se pelo relevo selvagem, no leste montanhoso do país, confrontou-se com inimigos fortemente armados e, nesse combate, caiu Otto René Castillo e sua companheira, a guerrilheira Nora Páiz. O enfrentamento se deu em Sierra de las Minas, entre a coluna guerrilheira e as tropas mercenárias do governo de Julio César Méndez Montenegro. Conta-se que, nesse embate, somente teria sobrevivido Pablo Monsanto que, cerca de 40 anos depois, disputou, pelas forças de esquerda, a presidência do país.
Leia o artigo integral :OTTO RENÉ CASTILLO, o poeta revolucionário – por manoel de andrade

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