sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Finitude e solitude

" Vivemos num tempo em que a civilização periga morrer por meio da civilização"
F. Nietzsche, "Humano, demasiado humano"

A fragmentação do " laço social" que atingiu as grandes metrópoles e a generalidade das urbes actuais com diferentes morfologias sociais está a permitir que  comunidades diversas coabitem o mesmo  território onde todos e cada um passam a excluir-se uns aos outros, como parte refractária de um todo que não existe . A coesão social que advém de sistemas de valores, de relações intergeracionais, do exercício da cidadania  não está actualmente direccionada para  o indivíduo, para o familiar, para a singularidade da pessoa. Vivemos um tempo de multidões de indivíduos isolados que terminam tragicamente sós, abandonados ao ostracismo social.
A morte solitária de uma anciã que ocorreu há oito longos anos foi notícia portuguesa. Retumbante, alarmante  mergulhou o país na brutal realidade dos tempos  hodiernos. A solitude da vida deixou-a morta em casa sem que os vivos   a procurassem. Apenas a solicitude de  outra anciã promoveu esforços para o seu reencontro,  mas de obstrução em  obstrução  foram sistematicamente invalidados.  Morrer sozinha e permanecer abandonada  numa casa ladeada de tantos viventes já não é um acontecimento raro. A morte vive ao lado sem que a vida se ocupe dela.
" A morte é grande
Nós somos seus, de ridente boca,
Quando julgamos estar no meio da vida.
Ousa  ela chorar
No meio de nós."
Rainer Maria Rilke
A experiência da morte é última, inevitável e individual. Nasce-se com a sua marca biológica e cresce-se negando a sua evidência. Rejeitá-la, enquanto vivos  apagando-a do  horizonte , não torna imortais os homens . E a essência da imortalidade reside na marca que cada um deixa no outro, no acolhimento que cada um dá à sua presença.
Uma das ideias básicas de  Emanuel Lévinas é  a alteridade, isto é colocar o outro no lugar do ser. "... tudo começa pelo direito do outro e por sua obrigação infinita a este respeito. O humano está acima das forças humanas." Assim, inverte as propostas da Lei de Ouro e do Imperativo Categórico. Ao invés do indivíduo agir frente ao outro como gostaria de ser tratado e que isto deveria ser uma norma universal, é a descoberta do outro que impõe a conduta adequada. De acordo com Christiam Descamps, "a relação com o Outro é a base de uma co-presença ética". Cada um é constantemente confrontado com um próximo. Não sou Eu frente ao Próximo (Outro), mas sim os Outros continuamente frente a Mim.
Bastaria que o mundo , os governos, as sociedades aplicassem  este imperativo categórico para que nunca mais  se vivesse em finitude e se morresse em solitude.

1 comentário:

  1. Monica Alves da Silva Lopes Diniz7 de março de 2011 às 20:28

    Com efeito, o texto não deixa dúvidas quanto à finitude do ser. Entretanto, penso que esta finitude pertence à categoria biológica, temporária em si mesma mas não resiste à lógica de uma análise mais profunda quanto à imortalidade do ser, pre-existente, existente e sobrevivente à matéria perecível. Monica Alves da Silva Lopes Diniz

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