segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Cesar Vallejo, poeta peruano

“Cesar Valejjo ,1892-1938, cuja poesia foi desprezada por seus contemporâneos, é tido hoje como o maior poeta peruano de todos os tempos e talvez a figura mais proeminente da poesia hispano-americana depois de Pablo Neruda, o qual declarou que a poesia de Vallejo era maior que sua própria poesia.(...) Em 1932 filia-se no Partido Comunista Espanhol e regressa a Paris onde vive na clandestinidade, organizando, posteriormente, com Neruda, a coleta de fundos para a causa republicana na guerra civil espanhola. Em 1937 volta pela última vez à Espanha para participar do Congresso Internacional de Escritores Antifascistas, e talvez porque sua precária saúde o impedisse de empunhar um fuzil para defendê-la, escreve seu grande poema político: España, aparta de mí este cáliz, que deu título ao livro de quinze poemas, publicado postumamente, em 1939, como um verdadeiro testamento poético, por sua viúva, Georgette Vallejo.” Manoel de Andrade, in “Cesar Vallejo:Um coração dividido"

PEDRA NEGRA SOBRE PEDRA BRANCA
Morrerei em Paris com aguaceiros
num dia de que já tenho a lembrança.
Morrerei em Paris - daqui não saio -
numa quinta-feira, como hoje, de outono.
Quinta-feira será, pois hoje, quinta-feira,
em que estes versos proso, dei os úmeros
à pouca sorte, e nunca como hoje
voltei,com todo o meu caminho, a ver-me só.
Morreu César Vallejo, espancavam-no
todos sem que lhes fizesse nada;
davam-lhe forte com um pau e forte
com uma corda também; são testemunhos
as quintas-feiras e os ossos úmeros,
a solidão, os caminhos, a chuva...

POEMA PARA SER LIDO E CANTADO
Sei que há uma pessoa
que, dia e noite, me busca em sua mão,
encontrando-me, a cada minuto, em seu calçado.
Ignora que a noite está enterrada
atrás da cozinha com esporas?
Sei que há uma pessoa composta de minhas partes,
que eu completo sempre que o meu vulto
cavalga sua exacta pedrazinha.
Ignora que ao seu cofre
não voltará nenhuma moeda que saiu com seu retrato?
Sei o dia,
mas o sol escapou-me;
sei o acto universal que fez na cama
com alheia coragem e essa água morna, cuja
superficial frequência é uma mina.
Tão pequena é, acaso, essa pessoa
que até seus próprios pés assim a pisam?
Um gato é a fronteira entre eu e ela,
mesmo ao lado de sua malga de água.
Vejo-a pelas esquinas, abre e fecha
sua veste, antes palmeira interrogante...
que poderá fazer senão mudar de pranto?
Mas ela busca-me, busca-me. É uma história!

UM HOMEM PASSA COM UM PÃO AO OMBRO
Um homem passa com um pão ao ombro
- Vou escrever, depois, sobre o meu duplo?
Outro senta-se, coça-se, tira um piolho do sovaco, mata-o
- Com que desplante falar da Psicanálise?
Outro entrou em meu peito com um pau na mão
- Falar, em seguida, de Sócrates ao médico?
Um coxo passa dando o braço a um menino
- Vou, depois, ler André Breton?
Outro treme de frio, tosse, cospe sangue
- Convirá não aludir jamais ao Eu profundo?
Outro busca no lodo ossos e cascas
- Como escrever, depois, sobre o infinito?
Um pereiro cai de um telhado, morre, já não almoça
- Inovar, em seguida, a metáfora, o tropo?
Um comerciante rouba um grama no peso a um freguês
- Falar, depois, da quarta dimensão?
Um banqueiro falsifica o seu balanço
- Com que cara chorar no teatro?
Um pária dorme com um pé às costas
- Falar, depois, a ninguém de Picasso?
Alguém vai num enterro a soluçar
- Como em seguida ingressar na Academia?
Alguém limpa uma espingarda na cozinha
- Com que desplante falar do mais além?
Alguém passa a contar pelos dedos
- Como falar do não-eu sem dar um grito?

César Vallejo,in “ Antologia Poética de César Vallejo” , Editora Relógio D´Água,Lisboa 1992

 ESPANHA, AFASTA DE MIM ESTE CÁLICE
España, aparta de mi este cáliz,  aparece em 1939 impresso por soldados do exército republicano)

Crianças do mundo,
se a Espanha cai – digo só por dizer –
se cai
do céu abaixo seu antebraço que amarrem
pelo cabresto duas lâminas terrestres;
crianças, que idade a das frontes côncavas!
Como é cedo no sol que vos dizia!
Que veloz o ruído antigo em vosso peito!
No caderno que velho é o vosso 2!

Crianças do mundo, está
a mãe Espanha com o seu ventre às costas;
está nossa mestra com suas palmatórias,
está mãe e mestra,
cruz e madeira, porque vos deu a altura,
vertigem e divisão e soma, crianças;
ela está com ela, pais processuais!

Se cai – digo só por dizer – se cai
a Espanha, da terra para abaixo,
crianças, como cessareis de crescer!
Como o ano vai castigar o mês!
Como os dentes se reduzirão a dez,
a garatujas o ditongo, o pranto a medalha.
Como vai o cordeirinho continuar
preso pela pata ao grande tinteiro!
Como descereis as grades do alfabeto
até a letra em que a pena nasceu!

Crianças
filhos dos guerreiros, entretanto,
baixai a voz, que a Espanha está neste momento repartindo
a energia entre o reino animal,
as florezinhas, os cometas e os homens.
Baixai a voz, que está
com o seu rigor, que é grande, sem saber
o que fazer, e está em sua mão
a caveira falando e fala e fala,
a caveira, aquela que tem tranças,
a caveira da vida.

Baixai a voz, vos digo:
baixai a voz, o canto das sílabas, o pranto
da matéria e o rumor menor das pirâmides, e ainda
o das frontes que andam com duas pedras!
Baixai a respiração, e se
o antebraço desce,
se as férulas soam, se é a noite,
se cabe o céu em dois limbos terrestres,
se há ruído no som das portas,
se eu tardo,
se não vedes ninguém, se vos assustam
os lápis sem ponta, se a mãe
Espanha cai – digo só por dizer –
crianças do mundo, andai, a procurá-la

Tradução de Gilfrancisco Santos

Leia mais em  CESAR VALLEJO: Um coração dividido (1) – por Manoel de Andrade  

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