sábado, 31 de dezembro de 2011

As palavras em Fim de Ano

Não desesperarei da Humanidade.
Por mais que o mundo, o acaso, a Providência, tudo
à minha volta afogue em lágrimas e bombas
os sonhos de liberdade e de justiça

Jorge de Sena, “Mensagem de Finados”, Poesia II

Uma crónica imperfeita
Neste final de 2011 impõe-se olhar para trás e, em jeito de balanço, encerrar a conta dos dias que o compuseram. Se pensarmos em números nunca se falou tanto de cifrões , de milhões como neste ano. A economia engendrada pelas Agências de rating revelaram uma nova realidade, onde o capital domina num absolutismo xenófobo para impor e exigir quantias tão incomportáveis que arrastam para a miséria quem não o tem. A eleição democrática já não é um garante de estabilidade, de independência, de liberdade. Os países passaram a ser tutelados por essa bizarria exterior que os comanda, rotula e arrasa. A linguagem do mercado entrou no quotidiano de qualquer vivente, mas a tragédia do desemprego, da precariedade, da fome , da rua acompanhou-a em funesta parceria .
"A vida é um valor desconcertante pelo contraste entre o prodígio que é e a sua nula significação ", dizia Vergílio Ferreira, em "Um Escritor Apresenta-se". E nunca se viu tanto desespero no olhar de tanta gente. A falta de futuro traz amargura e retira significado à luta por um lugar ao Sol. Sol que nasce ainda para todos, mas que brilha cada vez mais apenas para alguns.
Na Profecia Maia prevê-se o fim do mundo para 2012. Os Portugueses não temem o fim do mundo , porém sofrem já com a ameaça do fim de um Portugal digno , onde o futuro possa existir sem que se esqueça o passado. A memória faz parte da vida e a vida embora um valor desconcertante tem de ser digna. E num país, onde a cada dia se tira , se subtrai, se diminui, se derroga, é um país regredido que se esvazia porque de nada se enche e de tudo se esvai. Ah, Meu pobre, pobre Portugal. Quanto de ti já não é nosso, quantos de ti já se foram.
2011 foi pródigo em gerar novas esperanças que modificaram a arquitectura política no Norte de África. A Primavera Árabe encheu de imagens o mundo e povoou de gentes tantas outras Praças . Clamavam por mudança e muitos pelo pão que não tinham. Caíram governos, fizeram-se heróis e a liberdade ficou? O tempo e a História o dirão.
Os Indignados chegaram a Wall Street, mas o império da bolsa continua. A crise exportada por essa corporação de ávido capitalismo americano contaminou o velho continente que se havia predisposto à usura , à volúpia do lucro e à insensatez do consumo. E o Euro inseguro por mãos avaras tornou-se crísico nos seus domínios. A redenção e o resgate empenharam-se em torno de listas infindas de castigos e penares ao jeito medievo da Inquisição. E a iniquidade aí está.
Morre-se e faz-se morrer sem que nos corações a dor impere. A caça de Bin Laden e a dureza na morte de Kadafi revelaram a incapacidade do agir perante a frágil solitude da derrota. Já o sentíramos com Saddam Hussein.
O Japão tão longe e tão perto na sua dolorosa tragédia. Um mar de destroços, um oceano de vidas perdidas e um sofrimento profundo e recolhido nos que ficaram. Traiçoeiro 2011 na enganadora armadilha nuclear que conforta o homem , mas destroi, num ápice, o justo equilíbrio .
Nigéria, Sudão e, em Dezembro, Belém foram palco de lutas intestinas em nome de um Deus ausente que não reina entre a cegueira de quem não vê a sua própria imagem.
Os BRIC são os países emergentes deste ano que finda. Emergir significa vir à tona. Quem dera que nessa emersão se construa uma nova era que não seja ditada pelo poder económico e a força do dinheiro. Vir à tona deste universo descapitalizado para o tomar de assalto em assalto, não redime nem inicia um novo tempo. Mudar os actores e manter os agentes não altera o ritmo do mundo e não globaliza a justiça social.
Estrelas cadentes explodiram nos céus do nosso horizonte. Os astrónomos descobriram outras galáxias, novos planetas. A Ciência treina-se na pesquisa da vida eterna, no fabrico do elixir supremo, na descoberta da juventude permanente. Entretanto os velhos morrem no abandono dos Lares, no frio dos Hospícios , no sofrimento dos corredores dos Hospitais, no solitário aconchego das memórias de casas vazias de gente . E 2012 será o Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade Intergeracional. Que os corações se abram aos outros quando os outros já tanto se abriram ao longo dos tempos úteis de militância produtiva.
Renegar, produzir, cortar, promover, pagar, ganhar, derrogar, lucrar, penalizar, castigar são verbos que foram estrelas em 2011.
Nascer, viver, vencer, sonhar, sentir , apreciar, amar, respirar e acreditar que na luz destes dias que se aproximam o desenho da nossa vida também será feito a cores e construido por verbos na voz activa que se conjugam em todos os tempos e em todas as pessoas.
Não desesperaremos da Humanidade. Que venha 2012.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Corpo de Esperança

 

Começam por ti todos os versos...

...e um dia as aves voarão o céu até aos teu olhos,
as crianças hão-de pisar teu corpo de alegria
com seus risos, seus tácitos encontros com o invisível
e seu secreto esquecimento.

Num chão de cousas desapercebidas
terão passado sobre ti os reinos, as filosofias e os namorados,

E tu repousas, nua, no coração do Silêncio,
como uma estrela dentro do céu

Neste curto espaço entre nós e a morte
tão mal gastamos nossa longa despedida!

Tu, amor de quem não sei o nome
de onde não sei a sorte,
vais passar além deste poema que era teu
e assim, de morte construída,
teus passos vão enchendo a minha vida.

Outro nome será flor sobre teus lábios,
e outros dedos tocarão a límpida frescura
dos teus ombros quase d’água
e saberão de cor o horizonte branco do teu corpo...

E assim iremos de olhos futuros,
tu, envelhecendo da minha ausência,
eu, a erguer-te na curva da esperança,
e outra mão vai desmanchar a tua trança
e hei-de beijar teu rosto onde não eras
e serás só o que há antes das horas mais tristes.

Neste curto espaço entre nós e a morte,
onde me vais perdendo,
onde te vou buscando,
nosso amor se vai embora alimentando
a despedida;

não porque morra o tempo em teus braços,
mas a vida.
Poesia de Vítor Matos e Sá, edição de Ana Paula C. Mendes, ed. Campo das Letras, 2000

Intervalo musical

Por vezes, temos de fazer um intervalo para escutarmos os sons que se tocam por aí e as vozes que lhes dão forma. Estas, além de muito populares, são versatéis e qualificadas. Rui Veloso e Perfume na canção de sucesso " Intervalo ".



"Não me deixes na
história que não terminou
Não me deixes
No livro que eu não li,
No filme que eu não vi,
Na foto onde eu não entrei,
Notícia do jornal
O quadro minimal
Sou eu
No livro que eu não li,
No filme que eu não vi,
Na foto onde eu não entrei,
Notícia do jornal
O quadro minimal
Sou eu"

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Gratidão de ser


Gratidão  que nem sabe a quem deve ser grata

Gratidão de ser
por estes anos
e partículas restantes.

Pela amizade,
que chega a confundir o amor.

Pela bondade,
que torna a solidão desvalida.

Pela hombridade,
à altura do céu.

Pela beleza,
que só à santidade
sobrepassa.

E é flagrante, perdulária,
noutro renascente.

Gratidão
que nem sabe
a quem deve ser grata.

Pelas aves nutrindo os filhos
de penugem e voo.

Pela lentidão escrupulosa
da tartaruga, igual à de Plutão.

Pela leveza materna do vento
transportando pólen.

Pelo calor humílimo
da joaninha sobre a nossa mão.

E por estar na terra
uma só vez, ao sol,
nada pedindo, nenhum segredo,
como um velho lobo-do-mar.

António Osório , in “ O lugar do Amor”,Gota de Água, Porto, 1981

No prefácio do livro “A Ignorância da Morte” de António Osório, Eugénio Lisboa afirmou : «[...] no seu modo mansamente inovador, apetecidamente lento e meticuloso, no seu progredir musicalmente inventariante, no seu fascinante realismo mítico, aladamente terrestre e distanciadamente afectuoso, uma das vozes mais fortes, mais isoladas, mais inquietantemente pessoais e mais complicadamente directas que nos tem sido dado conhecer, de há alguns anos a esta parte


Cada Segundo

Não desejo a indigência,
a serenidade
dos lugares desertados:
desejo que cada segundo
quando amo
explodisse
e fosse a terra
em sua expansão
durante a primeira noite,
a gestante,
do mundo.
António Osório, in “O Lugar do Amor",Gota de Água, Porto, 1981

António Osório de Castro nasceu em Setúbal, a 1 de Agosto de 1933 .Fixou-se em Lisboa, após a conclusão do curso de Direito, onde passou a exercer advocacia. Foi bastonário da Ordem dos Advogados entre 1984 e 1986, Administrador da Comissão Portuguesa da Fundação Europeia da Cultura e Presidente da Associação Portuguesa para o Direito do Ambiente. Dirigiu a Revista de Direito do Ambiente e do Ordenamento do Território, que fundou, e o Foro das Letras, revista da Associação Portuguesa de Escritores-Juristas.
Tem uma imensa obra poética publicada e é um dos grandes poetas portugueses da actualidade.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Pretextos para fugir do real



A uma luz perigosa como água
De sonho e assalto
Subindo ao teu corpo real
Recordo-te
E és a mesma
Ternura quase impossível
De suportar

Por isso fecho os olhos

(O amor faz-me recuperar incessantemente o poder da
provocação. É assim que te faço arder triunfalmente
onde e quando quero. Basta-me fechar os olhos)

Por isso fecho os olhos
E convido a noite para a minha cama
Convido-a a tornar-se tocante
Familiar concreta
Como um corpo decifrado de mulher

E sob a forma desejada
A noite deita-se comigo
E é a tua ausência
Nua nos meus braços

Experimento um grito
Contra o teu silêncio

Experimento um silêncio

Entro e saio
De mãos pálidas nos bolsos

Assobio às pequenas esperanças
Que vêm lamber-me os dedos

Perco-me no teu retrato
Horas seguidas

E ao trote do ciúme deito contas
Deito contas à vida.

Alexandre O’Neill, in “Tomai lá do O'Neill” , Mem Martins , Rio de Mouro, Círculo de Leitores, 1986

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

É da tua mão que eu preciso agora

"É da tua mão que eu preciso agora. Há momentos, sabes, que me sinto tão cansado, todos estes dias cheios de palavras que me fogem. Então penso em ti: Joana. Penso: vou contar-te uma coisa. Há pouco tempo morreu a filha de um amigo meu, homem generoso e bom, melhor do que alguma vez fui. Um cemitério é um lugar horrível e a dor dele doía-me. Depois de tudo acabar voltei para o automóvel. Eram muitos passos nas veredas a voltarem para os automóveis. O caixãozinho branco. Aquelas árvores que tu conheces de quando a gente há dois anos. Despedi-me das pessoas um pouco ao acaso, sem sentir os dedos que apertava: têm tantos dedos as pessoas. Nem me lembro já porquê abri a mala do carro. Estavam lá dentro coisas tuas de Espanha: batas, papéis, as inutilidades confusas que estás sempre a juntar. Peguei numa das tuas batas, abracei-a. E desatei num choro de menino, de cabeça inclinada para a mala do carro na esperança de que não me vissem. Depois lá enxuguei o nariz à manga nunca perdi o hábito de enxugar o nariz à manga engoli-me a mim mesmo e vim-me embora. Sempre que me sento no teu carro lembro-me de ti. Também me lembro quando não me sento no carro mas sempre que me sento no carro lembro-me de ti. De ti e de Malanje onde começaste a ser, e as mangueiras tremem-me no interior do sangue.Mas é da tua mão que eu preciso agora. Há momentos em que me farto de ser homem: tudo tão pesado, tão estranho, tão difícil. Eu vou tendo paciência e no entanto, às vezes as coi­sas magoam, há ideias que entram na gente como espinhos. Não se podem tirar com uma pinça: ficam lá. É então que a cara prin­cipia a estragar-se e a gente diz e envelhece. Necessito de muito pouca coisa hoje em dia: uns livros, o meu trabalho de escrever, amigos que se estreitam com o tempo, alguns deixados para trás, não sei onde. A minha avó dizia que fui a pessoa por quem chorava mais. Nunca acre­ditei. Era autoritária, mimada, sedutora: tratava-me tão bem! Jogávamos a ver qual de nós dois conquistava o outro: andáva­mos mais ou menos empatados (sabes como detesto perder)e nisto ela morreu. Recordo-me de sair de sua casa e vir à cervejaria comer. Ainda não tinha tempo de sentir-lhe a ausên­cia. Pedi o jornal desportivo ao empregado. Ao voltar para cima achei-a vestida sobre a cama.Agora é Novembro, tenho frio, ando às voltas com um romance de que não estou a gostar. Nunca estou a gostar do que escrevo, acho aquele em que trabalho o mais difícil, acho que as palavras me derrotam. Frases puxadas como pedras de um poço que não vejo. Banalidades que me indignam por estarem tão longe do que quero. Capítulos que me fogem, o plano da his­tória dinamitado pelos caprichos da minha mão, que não faz o que pretendo: escapa-se sempre, inventa, tenho de apanhá-la a meio de um período inverosímil. Talvez seja por isso que preciso da tua. Ou não por isso: não bebo e no entanto há alturas em que me sinto tão só que é quase o mesmo. E sem essa solidão não me é possível escrever. O meu amigo a quem morreu a filha chama-se José Francisco. Quando sorri os cantos da boca parecem levantar voo. Faz-me bem. Gostava de sorrir assim. Experimentei ao espelho e não é igual. Quer dizer, a boca curvou-se mas os olhos ficaram fixos, duros. Deixei de sorrir e enchi a cara de espuma da barba, até ser apenas nariz e olhos. Então sorri outra vez e os olhos acharam graça e mudaram. Os meus olhos sérios olhavam para os meus olhos divertidos. Pisquei o esquerdo e o espelho piscou o direito. Lavei a cara, apaguei a luz, saí. Por um segundo veio-me a sensação de caminhar em Malanje. Aquele cheiro da terra, demorado, opaco, violento. E pronto, é tarde. Em chegando ao fim da página aca­bou-se. Ponho a tampa na caneta, os cotovelos na mesa e fico a observar a parede. Nem vou reler isto, mando tal e qual. Prefiro observar a parede, deixar-me impregnar devagarinho pela essên­cia das coisas. Esta cadeira, aquele móvel, uma manchinha de cinza no chão, as minhas mãos geladas de frio a acabarem esta crónica. Se calhar amanhã telefono-te. Ou regresso ao romance na teimosia dos cães. Penso: nem que deixe a pele nele hei-de conseguir acabá-lo. Comecei-o no princípio de Outubro, falta muito. Alinho os papéis, ponho tudo em ordem para a escrita. Nem que deixe a pele nele hei-de conseguir acabá-lo. Leio a última frase, continuo. Só por um bocadinho de nada, antes que continue, importas-te de tirar as batas do carro? Importas-te de me dar a mão?"António Lobo Antunes, in Segundo Livro de Crónicas(SLC) ,2006

A crónica em António Lobo Antunes reveste características peculiares que distanciam os seus textos do registo cronista convencional. Com efeito, neste autor não há qualquer preocupação em dar conta de um quotidiano, criticar comportamentos e atitudes ou transmitir um qualquer ensinamento. As crónicas antonianas são antes o espaço da ficcionalidade, da intimidade, da subjectividade, num evidente prolongamento ou antes numa total conformidade com o registo romanesco, com o qual tecem um incessante diálogo intertextual. As crónicas de António Lobo Antunes transportam-nos para o universo da intimidade, onde as personagens se debatem com fantasmas e obsessões, recordam episódios ou pessoas, que marcaram a sua existência. Não se adivinhando nenhum fio condutor nem entre os textos que constituem cada um dos livros de crónicas, nem entre as colectâneas, é no entanto possível agrupá-los segundo critérios temáticos. In “Quando a crónica se faz arte”

ANTÓNIO LOBO ANTUNES
“Nasceu em Lisboa, em 1942, tendo passado a infância e a adolescência em Benfica e em Nelas, locais que acabariam por marcar a sua obra. Após a licenciatura em Medicina, foi, no cumprimento do serviço militar obrigatório, mobilizado para Angola, chegando a combater na guerra colonial, entre 1971 e 1973. Especializou-se em Psiquiatria e iniciou a sua actividade no Hospital de Santa Maria, transitando posteriormente para o Hospital Miguel Bombarda. Esta experiência marcou fortemente os seus três primeiros romances. Publicou o seu primeiro romance em 1979 – “Memória de Elefante” – que, imediatamente o posicionou na produção romanesca portuguesa. A este êxito seguiu-se, no mesmo ano, “Os Cus de Judas”, um longo monólogo dramático galardoado como Prémio Literário Franco - Português, em 1987. “Conhecimento do Inferno” (1980), “Explicação dos Pássaros” (1981), “Fado Alexandrino” (1983), “Auto dos Danados” (1985; Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores, 1986), “As Naus” (1988), “Tratado das Paixões da Alma” (1990), “A Ordem Natural das Coisas” (1992), “Morte de Carlos Gardel” (1994), “Crónicas” (1995), “Crónicas do Público” (1996), “Manual dos Inquisidores” (1996), “O Esplendor de Portugal” (1997), “Livro de Crónicas” (1998), “Exortação aos Crocodilos” (1999), “Não Entres Tão Depressa Nessa Noite Escura” (2000), “Que Farei Quando Tudo Arde?” (2001), “Apontar com o Dedo o Centro da Terra” (2002), “Boa Tarde às Coisas aqui em Baixo” (2003), “Eu Hei-de Amar uma Pedra” (2004) são alguns dos títulos da sua extensa bibliografia.” MGR in TN D.Maria II

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

A Mulher na cidade do homem

"[...]Quando olhamos para o passado vemos que a contribuição da mulher no mundo da criação é muito limitada. As leis, a filosofia, a matemática, a pintura, a arquitectura, a escultura, a música foram quase exclusivamente criadas por homens. A mulher aparece nalgumas artes como intérprete, raramente como autora.
Isto «parece mostrar» que a capacidade criadora da mulher só existe em planos secundários ou subsidiários.
Mas há uma excepção que nos coloca no centro do problema.
Esta excepção é a poesia.
Sapho, Emily Brontë, Emily Dickinson, Louise Labé são poetas na plenitude da criação. Para além do tempo e das mutilações, um fragmento de Sapho conserva aquele poder de invocação total que é a marca de fogo da grande poesia. E da nossa época não poderei deixar de citar Edith Sitwell, Nelly Sachs, que este ano recebeu o prémio Nobel, Gertrude Von Le Fort, que é um dos grandes poetas da transcendência, e Cecília Meireles que é um dos cimos da moderna poesia brasileira.
Esta excepção que a poesia é coloca-nos no centro do problema por duas razões: porque nos esclarece sobre a situação da mulher, porque nos esclarece sobre a natureza e a vocação de humanidade total da mulher.
A poesia é a arte que menos depende da contingência. Para escrever um poema é preciso ser poeta e depois basta um papel e um lápis.
A poesia pede a liberdade da alma que a alma por si mesma conquista, pede a escolha, a ascese, a atenção do ser a todos os seres e depois basta-lhe um papel e um lápis. O escultor ou o arquitecto para realizarem a sua vocação precisam duma longa aprendizagem com escola, mestre, atelier, público, encomenda e comprador. É por isso que, e isto nos esclarece sobre a situação da mulher, a escultura e a arquitectura, como a música, o teatro e a pintura, são artes que só florescem nos países onde existem circunstâncias propícias à cultura. Pelo contrário, a poesia é a arte que sobrevive e resiste nos países pobres, subdesenvolvidos e ocupados.
Se ao longo de tantos séculos a poesia foi quase a única arte onde a mulher mostrou capacidade criadora, isto não quer dizer que a mulher só era capaz de poesia, mas sim que para ela, como para um país subdesenvolvido ou ocupado, a poesia era a única arte possível. A única arte onde a pura liberdade do espírito criador podia resistir à pressão da contingência.
Se o nome Poesia deriva do verbo «poien» que significa criar é porque é na poesia que a criação se mostra no seu estado mais despojado e nu. O material do poeta é a palavra, a palavra que é por excelência o sinal humano. A poesia parte do verbo, do princípio, parte dum tempo anterior à contingência que é o puro tempo do ser. O espírito poético é o espírito daqueles que a si mesmos se reconhecem não como situação, mas como ser a caminho.
A poesia foi durante séculos a única excepção; mas a chegada do século XX traz consigo algo de novo.
A partir de então a capacidade artística e intelectual da mulher começa a mostrar-se em actividades que, embora não fossem em si mesmas masculinas, pareciam ultrapassar a possibilidade feminina. Todos conhecem o nome de Maria Curie, todos sabem que várias mulheres trabalharam nos cálculos matemáticos dos voos espaciais, todos conhecem a pintura de Maria Helena Vieira da Silva, a escultura de Bárbara Hepworth, Germaine Richier, Louise Nevelson.
No entanto as mulheres não fizeram uma revolução e ninguém fez, para elas, uma revolução. Simplesmente a humanidade avançou. Apesar das guerras, dos conflitos, dos crimes, dos abusos e da terrível pressão das forças de reacção, a nossa época tomou uma consciência nova do valor da vida humana. O nosso tempo não admite que existam vidas sacrificadas nem vidas diminuídas mas exige para cada ser humano o direito à plenitude da sua humanidade. E foi nesta consciência nova que a mulher acedeu àquele plano da criação onde a plenitude da vocação humana se mostra.
É evidente que a parte que a mulher tem tomado no trabalho do mundo moderno contribuiu para a sua emancipação. Mas só por si o trabalho não bastaria pois a mulher sempre trabalhou e em muitas épocas e lugares o trabalho para ela foi apenas uma duplicação da escravatura. Verdadeiramente a libertação da mulher a que estamos a assistir resulta da tomada de consciência da dignidade humana que é a grande e difícil tarefa do século XX.
Pois não existe o problema da mulher, mas sim o problema da humanidade. E é por isso que o Feminismo é um caminho errado e já ultrapassado. Aliás sempre à roda da mulher se criaram falsos problemas.
Assim muitas vezes se tem oposto vocação maternal e vocação criadora. Mas a maternidade é plenitude e não mutilação, é maioridade e não menoridade. E a maternidade que é natureza e vocação é também escolha e responsabilidade. Quanto mais responsável a mulher se sentir pelos filhos que tem, mais responsável se sentirá pelo mundo com que os seus filhos vão viver. E também através dos filhos a mulher compreende que verdadeiramente a sua causa não é a causa da mulher, mas sim a causa da humanidade."
Sophia Mello Breyner Andresen in” A Mulher na Sociedade Contemporânea - colóquios na A. A. da Faculdade de Direito”, Prelo Editora, 1969 - Cadernos de Hoje

domingo, 25 de dezembro de 2011

Música para um Domingo de Natal

Bem-aventurados os que descobrem que viver é saudar todos os dias como uma conquista partilhada.
Bem-aventurados os que vislumbram na beleza  do ar, na fertilidade da terra , na frescura  do mar os vestígios da transcendência de Deus.
Bem-aventurados os que procuram na imperfeição de ser  a força da superação de estar.
Bem-aventurados os que trilham o caminho da solidariedade na defesa de uma sociedade justa.
Bem-aventurados os que se comovem, os que choram, os que riem  ao pôr-de-sol  num dia de Verão ou ao luar numa noite de Inverno.
Bem-aventurados os que partiram e nos legaram a memória de um tempo amado.
Bem-aventurados os que preservam o coração mesmo quando a alegria tem de espantar a tristeza.
Bem-aventurados os que sonham, os que cantam, os que pintam , os que lançam a palavra e nos fazem sonhar  um mundo melhor.
E porque o Natal é a celebração de um tempo novo , as vozes numa perfeita simbiose  chegam em   polifónica melodia. "Christmas Secrets" de Enya do Album "Enya: Sounds of the Season " remete-nos para lá.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Natal

Um Deus à nossa medida...
A fé sempre apetecida
De ver nascer um menino
Divino
E habitual.
A transcendência à lareira
A receber da fogueira
Calor sobrenatural.
Miguel Torga, in " Diário VII" , Obra Completa, Círculo de Leitores

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Interlúdio musical

Pablo Alborán com Carminho em "Perdóname" do novo Álbum " En Acústico". Exemplo de uma iberidade harmónica em que duas jovens vozes talentosas  se unem para celebrar a música. As imagens são dessa Lisboa que eu amo que validam a força do Fado que mora na voz de Carminho e reforçam a musicalidade criativa do espanhol  Pablo Alborán. 




Se alguma vez perguntares o porquê
Não saberei dizer-te a razão
Eu não a sei
Por isso e muito mais
Perdoa-me

Convite


Nesta fase em que só o amor me interessa
o amor de quem quer que seja
do que quer que seja
o amor de um pequeno objecto
o amor dos teus olhos
o amor da liberdade
o estar à janela amando o trajecto voado
das pombas na tarde calma
nesta fase em que o amor é a música de rádio
que atravessa os quintais
e a criança que corre para casa
com um pão debaixo de um braço
nesta fase em que o amor é não ler os jornais
podes vir podes vir em qualquer caravela
ou numa nuvem ou a pé pelas ruas
- aqui está uma janela acolá voam pombas -
podes vir e sentar-te e falar com as pálpebras
pôr a mão sob o rosto e encher-te de luz
porque o amor meu amor é este equilíbrio
esta serenidade de coração e árvores.
Egito Gonçalves, in «366 Poemas que Falam de Amor", antologia organizada por Vasco da Graça Moura, Quetzal Editores

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Que Europa se espera desta Europa?

Quem está por detrás de Merkel?
                         por BAPTISTA-BASTOS
"Que Europa se espera da Europa, depois da reverente entronização de Angela Merkel feita por essas sobras menores de "estadistas", reunidas numa cimeira tão desacreditante quanto insensata? Os que nela participaram, de regresso a seus países, proferiram declarações graciosamente imbecis e desprovidas de qualquer centelha de dignidade. A alemã foi a vencedora do conclave e parece que nenhum dos presentes deu conta rigorosa dos perigos que representa. Como lucidamente Viriato Soromenho-Marques escreveu no DN (segunda-feira, 12, pág., 8), "a senhora Merkel, mãe do monstro de pobreza e proteccionismo que quer oferecer como rosto da Europa futura, tem um problema fundamental, que é a arma apontada à cabeça de 500 milhões de europeus. A sua tacanhez mental é ainda maior do que a sua influência letal sobre os primeiros-ministros que actualmente governam a Europa. Uma medrosa selecção, que parece ter saído dos lesionados das divisões de honra dos campeonatos distritais de futebol (...)."
O projecto imperial está à vista. E tanto Helmut Kohl (CDU, o partido dela) quanto Helmut Schmidt (SPD), horrorizados com o caminho que as coisas estão a tomar, vieram a público exigir que se questionasse a verdadeira dimensão do empreendimento. Não se serviram de metáforas para esclarecer os seus pontos de vista: usaram analogias históricas a fim de agitar as cabeças quadradas dos dirigentes políticos.
Aceitando-se o facto de que a senhora Merkel ser tida e havida como tonta, quem está por detrás dela?, quais os ideólogos que a impulsionam?, quais os poderes que nos querem condenar a uma espécie de desconstrução identitária? Porque é disso que se trata, quando se desarma o princípio de equilíbrio social e se o substitui por um jogo de hegemonia do mais forte, com a decorrente submissão total do mais fraco.
A Europa, nas mãos de Angela Merkel (o pobre Sarkozy faz papel de compère resignado e cortês), favorece o aparecimento dos nacionalismos e da proeminência aguerrida do económico sobre o político. O hiato criado por estas circunstâncias faz- -nos viver na ilusão de que as previsíveis derrotas da alemã e do francês, nas próximas eleições, nos permitirão respirar melhor.
Mas a questão não reside em eleições: está nas deformidades de um sistema que conduz a tudo, até a ressurreições dos fascismos. Em causa emerge não apenas a ameaça de eliminação dos padrões, sob os quais nos habituámos a viver, como a benevolência com que estes dirigentes europeus admitem a servidão. A mediocridade circundante conduz a tudo: até à imprudente aceitação do económico, não como utensílio mas como valor absoluto. Para não irmos mais longe, basta olhar Portugal e atentar na pobreza intelectual e nas debilidades éticas e políticas dos que nos dirigem."
Baptista Bastos, in Artigo de Opinião publicado no DN de 14 de Dezembro de 2011


Um império à deriva
                  por VIRIATO SOROMENHO-MARQUES
"O escritor e jornalista Baptista-Bastos fez, nas páginas do DN (14 /12/ 2011), uma pergunta difícil de ser respondida: "Quem está por detrás de Merkel?" Não se trata de uma pergunta retórica, mas de um questionar sério, daqueles que se fazem quando a única certeza que nos anima é a de não termos certezas, apenas hipóteses de trabalho. Gostaria de ensaiar mais uma hipótese de resposta: Merkel representa uma ideia de Europa que se estiolou, que foi superada pela força das coisas, sem disso se ter apercebido. Representa uma Europa que avançou para o euro, não pensando ser este um instrumento para uma União política e uma verdadeira identidade europeia, mas como um mero contrato de acesso a dívida barata no mercado financeiro global por parte de Estados, bancos e grandes empresas, uma espécie de "cartel de devedores", usando uma expressão certeira do economista Jean-Jacques Rosa.
Na verdade, entre 2002 e 2010, o euro foi muito mais longe do que a facção política a que Merkel pertence, poderia supor. O euro fez parte de uma vaga de aprofundamento das cumplicidades e afinidades entre as nações, as empresas, os cidadãos europeus. Não são apenas os alunos Erasmus que se cruzaram por todas as Universidades, ou o turismo que, com o euro, se transformou em turismo interno. São também as empresas e os mercados, que se mesclaram, que se entrosaram ao ponto de já ninguém saber onde começa ou termina a nacionalidade do capital, material e humano, de muitas empresas. A crise da dívida soberana não começou quando se descobriu que um governo conservador grego falsificava as contas públicas (a novidade seria que tal não tivesse ocorrido), mas quando Merkel gritou aos mercados, durante cinco meses, o artigo 125 do TFUE (que impede o resgate de países endividados, na lógica do "cartel da dívida"). Nessa altura, a confiança perdeu-se. Dos mercados, na Zona Euro. Dos países europeus, uns nos outros. Dos bancos entre si. Dos cidadãos, nos seus sistemas políticos e na ideia europeia (cada vez mais identificada com austeridade imposta).
O império de Merkel, como Baptista-Bastos bem sugeriu, não se confunde com a sociedade alemã, que parece desejosa de a colocar na Oposição. É o império de uma facção política, transversal a todos os países europeus, que quer manter a Europa dentro de baias limitadas, onde julga poder exercer o seu poder. O seu projecto de uma austeridade infinita e irracional traduz um desejo de punir povos que ultrapassaram os limites de controlo, que a moeda comum acabou por sacudir. Mas também um desejo de regresso e regressão, como se pode verificar por esse espantoso escândalo que é o comunicado final do Conselho Europeu de 9 de Dezembro. Uma violação dos Tratados e da tradição democrática ocidental, pelo menos desde a Bill of Rights inglesa de 1689, e do "no taxation without representation", da Revolução Americana de 1776. O império, paroquial e provinciano, de Merkel - que quer continuar a alimentar a sua dívida a taxas favoráveis - não transporta nenhum futuro para a Europa, mas pode arrastá-la para o pior do seu passado. Por isso não a podemos temer, nem a devemos subestimar."
Viriato Soromenho Marques, in Artigo de Opinião publicado no DN de 19 de Dezembro de 2011

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Última Vontade


Quando a sereia se ouvir
no coração desolado como uma cidade
recorda que te procurámos através das árvores
E tu escondias-te por trás dos frutos
e recolhíamos as mãos
cheias apenas de tempo
Sempre brincaste connosco
desde os dias da nossa juventude
Puseste-nos nos olhos
estação sobre estação e a vida dava as mãos
de árvore para árvore à volta da terra
Ia de ramo morto para ramo vivo
como um pássaro mais e nós ríamos
na tua transparência

Fechem-se-te agora os lábios
sobre a palavra que somos
Perdoa se algum dia
errámos com o coração
Não nos deixes morrer longe de Jerusalém

Ruy Belo, in "Aquele Grande Rio Eufrates", Lisboa : Ática, 1961

O Universo em revelação

Jovem estrela revolta-se contra a sua nuvem mãe
 

"A máquina fotográfica Wide Field 3 do Hubble captou esta imagem de uma nuvem gigante de hidrogénio gasoso iluminado por uma jovem e brilhante estrela. A imagem mostra o quão violentas podem ser as últimas fases do processo de formação de estrelas, quando o novo objecto parece abanar o seu berçário estelar.
Apesar das cores celestiais desta imagem, não há nada de pacífico na região de formação de estrelas Sh 2-106, ou S106, na versão mais curta. Uma diabólica jovem estrela, chamada S106 IR, ejecta material a alta velocidade o que rompe a massa de gás e poeira à sua volta. A estrela tem uma massa cerca de 15 vezes superior à do sol, na fase final da sua formação. Em breve irá acalmar ao entrar na vida adulta.
Por agora, a S106 IR permanece mergulhada na sua nuvem mãe, mas está a rebelar-se contra ela. O material que salta da estrela não só dá à nuvem um ar de ampulheta como faz do hidrogénio um gás muito quente e turbulento. Os intrincados padrões resultantes deste processo são bem visíveis nesta imagem do Hubble. 
A jovem estrela aquece o gás à sua volta, até este atingir temperaturas de 10 mil graus Celsius. A radiação da estrela ioniza os lobos de hidrogénio, deixando-o a brilhar. A luz deste gás brilhante foi colorida de azul nesta imagem.
Mais fria, uma espessa alameda de pó, pintada de vermelho na imagem, separa estas regiões de gás brilhante. Este material escuro quase esconde por completo a estrela ionizante, mas o jovem objecto ainda pode ser visto a espreitar na parte mais larga da alameda de pó.
A S106 foi o 106º objecto a ser catalogado pelo astrónomo Steward Sharpless na década de 50 do século passado. Está a uns poucos milhares de anos-luz de distância, na direcção de Cygnus (O Cisne). A própria nuvem é relativamente pequena, para os padrões das regiões de formação de estrelas, cerca de dois anos-luz no seu eixo mais longo. Isto é mais ou menos metade da distância entre o Sol e a Proxima Centauri, a nossa vizinha mais próxima
Esta imagem foi obtida com a Wide Field Camera 3, do Telescópio Espacial Hubble da NASA/ESA. Resulta da combinação de duas imagens tiradas com luz infravermelha e com um comprimento de onda específico para a luz visível emitida pelo gás de hidrogénio excitado, conhecido como H-alpha. Esta combinação de comprimentos de onda é a ideal para apontar a regiões de formação de estrelas. O filtro H-alpha isola a luz emitida pelo hidrogénio em nuvens de gás enquanto a luz infravermelha consegue passar pela poeira que normalmente escurece estas regiões."In ESA Portal ,16 Dezembro 2011
Estudo publicado na Nature
Kepler descobre primeiros exoplanetas do tamanho da Terra
"Chamam-se Kepler-20e e Kepler-20f, e apesar de estarem sujeitos a temperaturas impensáveis são a prenda de Natal dos astrofísicos. Os dois exoplanetas, que giram muito perto da sua estrela mãe, situada a cerca de 950 anos-luz de distância, são os primeiros planetas do tamanho da Terra que foram encontrados fora do nosso Sistema Solar.
A descoberta foi feita graças ao Kepler, o telescópio espacial da NASA e o mais avançado na procura de exoplanetas. Os cientistas tiveram que desenvolver novas técnicas para conseguir validar a existência de planetas tão pequenos com a informação obtida pelo telescópio. O artigo sobre a investigação, publicado nesta terça-feira na edição online da revista Nature, dá mais um passo em direcção ao desejo último da astronomia actual, o de encontrar um planeta do tamanho da Terra situado na região do espaço em relação à sua estrela onde possa ter água no estado líquido. Uma condição que os cientistas consideram ser a melhor para a existência de vida.
“É o início de uma era”, disse Francois Fressin, o primeiro de uma lista extensa de autores que produziu o artigo. O cientista trabalha em Harvard, no Smithsonian Center for Astrophysics, em Massachusetts, Estados Unidos. “Em breve seremos capazes de detectar este tipo de planetas à volta de outras estrelas e a outras distâncias”, disse citado pela Nature num artigo noticioso.
Ainda no início deste mês foi confirmada a existência de um planeta descoberto também pelo Kepler, que se tornou na altura o exoplaneta com o tamanho mais semelhante ao da Terra. O Kepler 22-b tinha 2,4 vezes o tamanho da Terra e, estima-se, uma temperatura de cerca de 22 graus. O planeta situa-se na região do seu sistema estelar que pode conter água em estado líquido.
“É muito interessante já que é bastante pequeno e está no local correcto para a água ser líquida”, referiu Fressin. “No entanto, é muito provável que seja demasiado grande para conter vida como nós a conhecemos”, disse citado pelo Guardian.
Mas os dois novos planetas dão um passo em frente. O Kepler-20e e o Kepler-20f têm respectivamente 0,87 e 1,03 o raio da Terra. Ou seja, o primeiro é mais pequeno do que Vénus e o segundo é ligeiramente maior do que o nosso planeta.
Segundo os investigadores, o Kepler-20e é o que está mais perto da sua estrela, e demora apenas seis dias a dar uma volta ao astro, enquanto o Kepler-20f faz uma translação em 20 dias. Ambos os planetas não fazem rotação, por isso têm sempre o mesmo lado virado para a estrela. Por estarem tão perto, em comparação Mercúrio demora 88 dias a dar a volta ao Sol, a temperatura na superfície é de 700 e 400 graus, respectivamente.
Não somos capazes de determinar as suas composições exactas. Muito provavelmente os planetas são demasiado quentes para conterem vida como nós a conhecemos. No entanto, é muito provável que o Kepler-20f tenha migrado para dentro [do sistema estelar] a partir de uma órbita mais exterior, e pode ter sido um planeta habitável”, disse." Por Nicolau Ferreira, in Público em 20.12.2011

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O Adeus a Vaclav Havel

Morreu o ex-presidente checo Vaclav Havel. O opositor do regime comunista checoslovaco, escritor e defensor dos direitos humanos sofria há anos de uma doença pulmonar. Na década de 90 tinha sido operado a um cancro. Vaclav Havel simboliza, melhor do que ninguém, a luta contra a opressão e domínio soviéticos. Nasceu no dia 5 de Outubro, em 1936, no seio de uma família burguesa em Praga, três anos antes da ocupação alemã.
Em 1945, a Checoslováquia libertou-se do jugo nazi mas, longe de conseguir a independência, caiu nos braços dos “libertadores soviéticos”.
No fim da guerra, o regime comunista etiquetou a família Havel de inimiga de classe e o jovem Vaclav refugiou-se na escrita. Aos 20 anos publicou vários poemas.
Em 1964, em plena abertura política, casou-se com Olga Splichalova, musa até à morte. As peças que escreveu representavam-se em todos os teatros de Praga.
Em 1968, no mês de Agosto, os tanques soviéticos acabaram com o socialismo de rosto humano  e com a Primavera de Praga. Alexander Dubcek foi proscrito. A União Soviética estendeu os tentáculos no país durante 21 anos. 
A liberdade artística foi proibida e Vaclav Havel foi preso na sequência da publicação de seis ensaios políticos. A sua aberta oposição ao regime custou-lhe vários anos passados nas cadeias comunistas. “Cartas para Olga”, um livro reunindo as cartas que escreveu à sua mulher da prisão, tornou-se uma das suas obras mais conhecidas ( Olga Splichalova, morreu de cancro em 1996). 
Condenado em diferentes situações, passou cinco anos na prisão e tornou-se um dos mais célebres dissidentes do bloco comunista.  Signatário e porta-voz da célebre "Carta 77", foi durante as manifestações de Praga em Agosto de 1988 – durante o 20º aniversário do Pacto de Varsóvia – que o seu estatuto político ficou claro. Milhares de jovens saíram para a rua, gritando o seu nome e do seu herói, Tomas Garrigue Masaryk, o primeiro Presidente da Checoslováquia depois da fundação do país em 1918.
A onda de protestos populares em seu nome levou-o mais uma vez à prisão. Em Janeiro de 1989, com o regime comunista já em colapso, o seu julgamento atraiu as atenções internacionais, e a pressão política foi de tal maneira intensa que as autoridades aceitaram a sua libertação..
A Checoslováquia é um dos países de Leste onde a transição sem violência foi possível. Vaclav Havel liderou a Revolução de Veludo, foi nomeado Presidente pelo Parlamento comunista e confirmado no cargo, um ano depois, em eleições livres. Foi o Presidente da Checoslováquia e, depois, da República Checa entre 1989 e 2003, tirando uma interrupção de vários meses entre 1992 e 1993.
Entre muitas das honras que recebeu está o prestigioso Prémio Olof Palme, da Suécia, e a Medalha Presidencial da Liberdade, a mais alta distinção civil dos EUA, que lhe foi concedida por ser "um dos grandes heróis da liberdade".
“O Poder dos Mais Fracos” (1978) foi o importante livro que Havel escreveu sobre os mecanismos e os meios que o comunismo totalitário exercia para oprimir as sociedades e as transformar numa massa homogénea e manipulável.
Algumas das obras publicadas por Havel foram "A Crescente Dificuldade de Concentração"(1968),"Os Conspiradores" (1971), "A Ópera do Mendigo" (1972), "A audiência" (1975), "Protesto" (1978) e "A Tentação" (1985). Em 1963, a peça resultante do livro "The Garden Party" foi para os palcos do teatro e o mesmo aconteceu em "O Memoramdum" (1965) e "A Crescente Dificuldade de Concentração" (1968).
Em 2008, Havel protagonizou as celebrações do 40° aniversário da Primavera de Praga. E nem os problemas cardíacos o impediram de se apresentar como defensor da liberdade: “As nossas ideias obrigam-nos a ser solidários com os dissidentes dos países onde as pessoas vivem sob um poder mais ou menos autoritário”.
Encerra-se um capítulo do pequeno país…, foi o bardo, o poeta que arrancou o poder aos comunistas para o devolver ao povo numa Revolução de Veludo.
E o herói da “Revolução de Veludo” morreu, aos 75 anos, na casa de férias que tinha no norte da República Checa, neste Domingo, 18 de Dezembro.
O chefe de Estado checo elogiou o antigo presidente, responsável pela transição do sistema soviético para um regime democrático e uma economia de mercado. “Vaclav Havel tornou-se um símbolo do moderno Estado checo. Ele contribuiu para isso com a sua luta destemida contra o totalitarismo comunista e enquanto líder da Revolução de Veludo e primeiro Presidente do nosso país independente”, disse Vaclav Klaus.
O governo Checo declarou 3 dias de luto nacional pela morte do antigo presidente.
Centenas de pessoas perfilam-se para entrar na igreja de Santa Ana, em Praga, para se despedirem do político, escritor e filósofo, que nunca deixou de lutar pelos direitos humanos.
Na Quarta-feira, início dos três dias de luto nacional, o corpo de Vaclav Havel será trasladado para o Castelo de Praga onde ficará até Sexta-feira, altura das exéquias oficiais.
O governo da Eslováquia, também, declarou o dia do funeral como dia de luto nacional. (Notas extraídas de várias fontes informativas)

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Sobre a Poesia XII

Nesta XII edição de " Sobre a Poesia " as palavras são de Nuno Júdice, ensaísta, poeta, ficcionista, professor universitário e actual Director da Revista Colóquio Letras. Nascido no Algarve ( Mexilhoeira Grande), em 1949, é autor de uma imensa obra literária. Recebeu os mais importantes prémios portugueses de poesia e vários outros prémios internacionais.

FALAR DE POESIA
"Antes de tudo, não falar. O poema tem todas as palavras necessárias para que não seja preciso dizer mais nada, partir dele.
Depois, falar devagar.
Falar da sua construção. Procurar a origem do poema por dentro do que ele nos diz.
Falar com o poema. Falar de cada palavra, de cada verso. Encontrar através deles os fios de uma lógica que não passa apenas pelo sentido ou pelo que é dito, mas sobretudo pelo que só a percepção instintiva, sensorial, pode captar, no que está para além do que é dito e se solta das próprias palavras.
Ouvir o poema para poder falar dele.
Ignorar todos os discursos sobre o poema e sobre a poesia. Esse lixo verbal só nos impede de ouvir o que o poema tem para dizer.
Depois de falar do poema, e só depois, procurar saber o que outros disseram? Pura curiosidade.
Procurar, como um suplemento de curiosidade, o que os próprios poetas disseram do poema e da poesia.
Se tivermos sabido, com essa leitura, alguma coisa para além do que o poema nos disse, desconfiemos do poema.
Um poema, quando o é, diz tudo o que há para saber sobre si."
Nuno Júdice, in Relâmpago, n.º 6, Abril, 2000
ARTE DO POEMA

Eu pensava que escrever era uma escolha rigorosa de temas determinados,
e mais - que a progressão no poema, sem confundir um tema e outro, pelo contrário iria estabelecer uma rigorosa separação. Entre,por um lado, o interior dos sons, e por outro o rebordo exterior do sentido, evoluindo este último segundo os efeitos próprios dos sons em cada diversa sensibilidade.
Assim, estabelecidas as múltiplas zonas «poéticas», eu poderia designar o que está escrito, e assim mesmo irá ficar, como um estudo de poética - ou «arte do poema».
Nuno Júdice, in “O Pavão Sonoro” 1972



COMO SE FAZ O POEMA
Para falarmos do meio de obter o poema,
a retórica não serve. Trata-se de uma coisa simples, que não
precisa de requintes nem de fórmulas. Apanha-se
uma flor, por exemplo, mas que não seja dessas flores que crescem
no meio do campo, nem das que se vendem nas lojas
ou nos mercados. É uma flor de sílabas, em que as
pétalas são as vogais, e o caule uma consoante. Põe-se
no jarro da estrofe, e deixa-se estar. Para que não morra,
basta um pedaço de primavera na água, que se vai
buscar à imaginação, quando está um dia de chuva,
ou se faz entrar pela janela, quando o ar fresco
da manhã enche o quarto de azul. Então,
a flor confunde-se com o poema, mas ainda não é
o poema. Para que ele nasça, a flor precisa
de encontrar cores mais naturais do que essas
que a natureza lhe deu. Podem ser as cores do teu
rosto – a sua brancura, quando o sol vem ter contigo,
ou o fundo dos teus olhos em que todas as cores
da vida se confundem, com o brilho da vida. Depois,
deito essas cores sobre a corola, e vejo-as descerem
para as folhas, como a seiva que corre pelos
veios invisíveis da alma. Posso, então, colher a flor,
e o que tenho na mão é este poema que
me deste.
Nuno Júdice, in “Geometria Variável”, Ed. Dom Qixote, Lisboa 2005

VERBO
Ponho palavras em cima da mesa; e deixo
que se sirvam delas, que as partam em fatias, sílaba a
sílaba, para as levarem à boca – onde as palavras se
voltam a colar, para caírem sobre a mesa.

Assim, conversamos uns com os outros. Trocamos
palavras; e roubamos outras palavras, quando não
as temos; e damos palavras, quando sabemos que estão
a mais. Em todas as conversas sobram as palavras.

Mas há as palavras que ficam sobre a mesa, quando
nos vamos embora. Ficam frias, com a noite; se uma janela
se abre, o vento sopra-as para o chão. No dia seguinte,
a mulher a dias há-de varrê-las para o lixo.

Por isso, quando me vou embora, verifico se ficaram
palavras sobre a mesa; e meto-as no bolso, sem ninguém
dar por isso. Depois, guardo-as na gaveta do poema. Algum
dia, estas palavras hão-de servir para alguma coisa.


Nuno Júdice, in “As Coisas Mais Simples”, Ed. Dom Quixote, Lisboa 2007



PARA ESCREVER O POEMA

O poeta quer escrever sobre um pássaro:
e o pássaro foge-lhe do verso.

O poeta quer escrever sobre a maçã:
e a maçã cai-lhe do ramo onde a pousou.

O poeta quer escrever sobre uma flor:
e a flor murcha no jarro da estrofe.

Então, o poeta faz uma gaiola de palavras
para o pássaro não fugir.

Então, o poeta chama pela serpente
para que ela convença Eva a morder a maçã.

Então, o poeta põe água na estrofe
para que a flor não murche.

Mas um pássaro não canta
quando o fecham na gaiola.

A serpente não sai da terra
porque Eva tem medo de serpentes.

E a água que devia manter viva a flor
escorre por entre os versos.

E quando o poeta pousou a caneta,
o pássaro começou a voar,
Eva correu por entre as macieiras
e todas as flores nasceram da terra.

O poeta voltou a pegar na caneta,
escreveu o que tinha visto,
e o poema ficou feito.

Nuno Júdice , in “A Matéria do Poema”, Ed.Dom Qixote, Lisboa 2008