terça-feira, 6 de julho de 2010

Matilde Rosa Araújo

A escritora Matilde Rosa Araújo morreu hoje aos 89 anos. Era uma grande mulher, extremamente simples, afável e discreta. Acedia sempre aos convites que lhe eram formulados com uma humildade autêntica e um magnífico sorriso. De toda a sua escrita irradia um deslumbramento que nos prende e nos deixa para sempre cativos do poder encantatório que os seus livros exercem. Através de uma admirável prosa poética, ou através de uma primorosa poesia foi construindo uma obra que será sempre actual e grandiosa pela qualidade e profundidade temática e estilística. Matilde Rosa Araújo era uma das maiores e mais valiosas escritoras vivas deste século. Escreveu essencialmente literatura infanto-juvenil criando um universo mágico em que a criança era soberana .
Em 2004, quando recebeu o Prémio de Carreira da SPA, Matilde Rosa Araújo afirmou à Lusa que "os jovens lhe ensinaram uma espécie de luz da vida", porque "o seu olhar é de uma verdade intensa e absoluta".
Entre os seus livros para a infância contam-se "Os direitos das crianças", "O palhaço verde" e "O livro da Tila", nome pelo qual era conhecida entre os amigos.
Matilde Rosa Lopes de Araújo nasceu a 20 de Junho de 1921 .Foi aluna de Jacinto do Prado Coelho e Vitorino Nemésio e colega de Sebastião da Gama, Luísa Dacosta, David Mourão-Ferreira e Urbano Tavares Rodrigues. Licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica (1945) com uma tese em que o jornalismo era objecto de análise académica.

Para a melhor entender e recordar, transcreve-se um excerto da Entrevista de Luís Souta , in Jornal "A Página" , ano 11, nº 114, Julho 2002, p. 40

"José António Gomes, ao analisar em vários textos a sua produção literária, defende que nela há três grandes temáticas: a infância dourada, a infância agredida e a infância como projecto. Pode-me falar de cada uma delas?
A infância dourada é a do sonho e a da inocência, mas uma inocência sábia. A criança sente o mal mas não desconfia e vê as coisas com os olhos de quem vê pela primeira vez, é maravilhoso. Foi um deslumbramento que eu fui apreendendo e vendo ao longo da vida.
A infância agredida é terrível. Agora, a comunicação social faz, muitas vezes, tema desta infância. Os direitos das crianças estão reconhecidos mas, infelizmente, ainda há muita criança agredida. Essa é uma mágoa que vou sentindo, o saber que a criança ainda não é respeitada, amada como devia. E estou a falar de Portugal mas por esse mundo fora a guerra põe até armas nas mãos das crianças. Já no fim da "caminhada" saber tudo isto dói mais ainda.
Quanto à terceira, qualquer Estado deve olhar a infância como um projecto social comprometido, sério. Estamos a deixar de parte o lado maravilhoso do nascer e do crescer. A criança é sensível ao afecto, percebe bem quando gostam dela. Ela precisa de um amor responsável. Uma criança que cresce sem amor é uma criança quase sempre condenada. E não é necessário infantilizar a infância mas sim encontrar a sua poesia. A criança que tem uma força e uma fragilidade tão grande deve ter voz. A verdadeira raíz de uma sociedade justa, fraterna reside nos Direitos da Criança, no seu real cumprimento.

É uma escritora com um "olhar dorido sobre os socialmente desafortunados e simpatia pelos mais fragilizados". Como vê essa sua constante chamada de consciência?
Como um apelo para a justiça. Tenho visto muita infância marginalizada, e não é só marginalidade, mesmo entre os que não têm carências económicas. Há famílias que são pobres do ponto de vista humano da sensibilidade para a vida, já nem digo para a sua poesia... Há o cultivar de um certo egoísmo, eu sei que temos que nos defender, até da vida, mas se por um lado caminhamos para uma consciencialização dos direitos das crianças, para a sua efectivação, por outro lado o homem também se deixa envolver num egoísmo que o empobrece bastante. Mas é verdade que tenho podido contactar com presenças humanas comoventes de um verdadeiro entendimento da Infância e da Juventude. "
Até sempre.

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