sábado, 20 de fevereiro de 2010

Que pretende Sócrates com estas reuniões?


Baptista Bastos
Que pretende Sócrates com estas reuniões?

As reuniões que o PS vai promover não resolvem nada de importante. Nem para aquele partido, nem para o Governo e muito menos para o País. Sócrates está metido numa camisa de onze varas, é acusado (com razão ou sem ela) de tropelias inomináveis, e cercado como até agora nenhum primeiro-ministro o foi. Tenta, talvez, a fuga para a frente, apoiado num hipotético consenso socialista. Mas o mal--estar também está instalado no PS.
José Sócrates dirigiu uma política abertamente de Direita, subtraindo ao PSD o lugar devido, e atirando este partido para o limbo. A desorientação larvar no PSD é directamente causada pelo Governo PS. Já o escrevi: Sócrates não tem amigos; tem instantes de amizade. Nem correligionários. Apenas um grupo de indivíduos, beneficiários do facto de estarem sempre de acordo com o chefe. Como escreveu João Chagas, grande jornalista e grande político da I República: "Mudam-se as caras, não se alteram as bocas. E as bocas são sempre as mesmas, na mesma manjedoura." A luta movediça pela substituição de Sócrates não é insídia da Imprensa, nem está para breve. Atirá-lo pela borda fora com que substituto?
Sócrates entende o perigo. E, também, que os seus inimigos são poderosos, eficientes, e dispõem de assalariados. A peregrinação que faz pelas estruturas do PS pode dar resultados emocionais momentâneos; porém, a longo prazo, alea jacta est. Ninguém o atura, ninguém o deseja, poucos o suportam. Ao contrário do que a propaganda disse (agora está em doce mutismo) ele não procedeu a reformas: aplicou deformas, deformou, reduziu, e criou um ambiente malsão na sociedade portuguesa. Enfrentou, não as corporações, enfrentou, isso sim, classes profissionais, provocando movimentos cívicos e populares dos de maiores dimensões desde que há democracia em Portugal.
[A propósito de democracia e de liberdade, e para que não haja dúvidas sobre o que penso, repito o que escrevi, na última semana, nestas páginas: "Quem diz que não há liberdade de Imprensa em Portugal ou é mentalmente indigente ou está a ser o serventuário de uma estratégia política repugnante. Os nossos problemas são outros e muitíssimo mais graves." E adianto: que significado real e concreto possuem aquelas sessões parlamentares sobre liberdade de Imprensa? Francamente, há gente que oblitera a natureza do problema e que perdeu o pouco que lhe restava de vergonha.]
Os estragos que José Sócrates fez, no tecido social português, são irreparáveis. Nunca é de mais insistir na sua actividade de lesa-pátria. Porque é disso que se trata, quando se trata das grandes ofensivas contra o mundo do trabalho, dos ataques à Educação, à Saúde (a passagem do sinistro Correia de Campos por esta pasta foi trágica para os utentes), à Previdência.
Que vai dizer Sócrates, nessas reuniões, aos seus "camaradas"? Mudar de carácter não muda; mudar de política nem ao de leve pensar nisso. Como lhes vai explicar a recusa em colaborar com a Esquerda e a cumplicidade com a Direita, como voltou a verificar-se para a aprovação do Orçamento de Estado? Os socialistas não estão imunes a estas "reformas", e viu-se, nos grandes protestos de rua, numerosos militantes do PS a engrossar a imensa corrente popular.
Os portugueses devem ter em conta que a situação caótica não poderá manter-se, por muitas reuniões que o secretário-geral promova. Ele quebrou os laços de civilidade, indispensáveis para a formação de um conceito de sociedade coesa e plural; depredou o capital emotivo que a ideia de "socialismo" em si mesma comporta; e afectou, gravemente, toda a Esquerda. As pessoas cansaram-se da lenga-lenga retórica; do quero, posso e mando; da soberba que fazem de José Sócrates o tipo de monarca absoluto. Creio que estes conclaves apenas servem para o aplauso, para as manifestações acríticas; não esclarecem nada porque renunciam, na essência, ao debate e ao combate.
José Sócrates não serve. Mas encontramo-nos numa situação dilemática: os outros não serão piores?
APOSTILA - Façamos uma pausa. Descansemos, um pouco, desta desvergonha que nos rodeia. "Já somos pouco a aguentar", dizia-me, há dias, um querido e velho amigo, daqueles que também se envolveu em tudo sem exigir nada, a não ser um país livre e livremente respirável. Façamos uma pausa para ler, devagarosamente, com deleite e prazer, "Livro de Reclamações", de um grande autor português, António Ferra, cuja modéstia é proporcional ao seu imenso talento. Não; ele não aparece nas recensões do "Público", e está omisso nas graves páginas da Colóquio. No entanto, é um importante poeta, culto, inovador e original. Lê-lo é penetrar na visão, simultaneamente onírica e real, terna e sarcástica, de um autor que prossegue um caminho no qual os valores teimam em se não perder.

Artigo de Opinião de Baptista Bastos, publicado no Jornal de Negócios, em 19/02/2010

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