sábado, 9 de janeiro de 2010

Os americanos são de Itália e os europeus do Japão



Hans Werner Sinn
Os americanos são de Itália e os europeus do Japão


O modelo de negócio norte-americano desmoronou-se. Nos últimos anos, os Estados Unidos pediram emprestado ao resto do mundo elevados montantes de dinheiro. Só em 2008, as importações líquidas de capital excederam 80 mil milhões de dólares. Grande parte deste dinheiro veio da venda de produtos de titularização de crédito hipotecário e das obrigações da dívida que apresenta colaterais como garantia, das reivindicações contra uma cadeia de reivindicações cujo último elo é o proprietário imobiliário norte-americano (ou, para ser preciso, as próprias casas, já que os proprietários beneficiam da protecção de carência de recursos).
Agora, o mercado destes activos desapareceu. Enquanto, em 2006, o volume de novas emissões foi de 1,9 biliões de dólares, em 2009 foi de apenas 50 mil milhões de dólares, de acordo com as mais recentes estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI). O mercado caiu 97%. Nenhum número revela, como este, a verdadeira catástrofe do sistema financeiro norte-americano.
Como o fluxo de fundos de todo o mundo para os proprietários norte-americanos foi interrompido, o preço das casas caiu 30% e a construção de novas casas mais de 70%. A recessão era inevitável. Os trabalhadores do sector da construção que foram despedidos e os proprietários tiveram que apertar o cinto. Alguns fizeram-no porque se sentiam pobres. Outros porque os bancos, afectados pelo colapso da securitização, pararam de conceder empréstimos ao consumo.
Nos últimos anos antes da crise, o fluxo de novas hipotecas era 60% superior ao valor da construção de habitações. Agora está 150% abaixo.
Os primeiros onze meses de recessão que se seguiram foram tão severos como os primeiros onze meses da Grande Depressão que começou em 1929. Mas gigantescos pacotes de estímulo económico keynesianos, no valor de 1,4 biliões de dólares, em conjunto com resgates de bancos no valor de 8 biliões de dólares, tiveram o seu efeito. Pararam a queda na Primavera e início do Verão de 2009, interrompendo a recessão, espero eu, mais do que temporariamente.
A subutilização da capacidade continua, no entanto, a ser enorme. Vai demorar anos até que a economia mundial regresse ao normal, em particular devido às perspectivas de crescimento pouco prometedoras e ao aumento do desemprego nos Estados Unidos e na Europa.
A dívida governamental foi o tratamento que ajudou e que continua a ser necessário. Os governos absorvem o excesso de poupanças privadas "over private investment" e injectam-no na economia, estabilizando a procura agregada e o sistema financeiro.
Como resultado, os défices públicos estão a disparar. Quase todos os países da União Europeia vão violar o limite de 3% do PIB definido no Pacto de Estabilidade e Crescimento e muitos deles vão ter défices iguais ou superiores a 10% do PIB, como a Espanha (10%), o Reino Unido (14%) e a Irlanda (16%).
Os Estados Unidos, o epicentro da crise, enfrentam enormes dificuldades. O rácio da dívida deverá ter fechado o ano nos 87%, após ter atingido os 73% em 2008, e, com o défice deste ano a chegar aos 11%, é quase certo que irá superar os 100% em 2011. O país que costumava ser o símbolo da força e da estabilidade do capitalismo mostra agora semelhanças alarmantes com os países em desenvolvimento que sofreram com a crise da dívida mundial no início dos anos 80.
Apesar dos países poderem ficar insolventes, há muitas formas de reduzir a dívida soberana antes que isso aconteça. Os Estados Unidos estão a ponderar a possibilidade de aplicar um imposto sucessório sobre as acções norte-americanas que sejam adquiridas no estrangeiro, e muitas pessoas acreditam que o país vai tentar seguir a estratégia italiana: subir a inflação para reduzir a dívida pública e desvalorizar a moeda para manter a competitividade internacional.
É difícil elevar a taxa de inflação quando as taxas de juro de curto prazo estão perto do zero - e não podem sofrer novas reduções sem provocar uma acumulação maciça de liquidez. No entanto, os investidores de todo o mundo receiam este cenário, e isto pode criar uma profecia auto-realizável, porque leva a uma queda do dólar, aumenta a procura de exportações e torna as importações norte-americanas mais caras.
Ironicamente, as taxas de câmbio flexíveis ajudaram o país a causar esta crise. Não existe justiça nos mecanismos económicos.
O contrário acontece na Europa, onde o Banco Central Europeu também usou o seu poder e não pode criar inflação mesmo que quisesse (o Tratado de Maastricht define a estabilidade de preços como o único objectivo do BCE).
Mas a subida do euro reduz os preços das importações e a procura de exportações, o que provoca a queda dos preços. O mais provável é que a Europa não siga a estratégia italiana. Em vez disso, a Europa vai enfrentar grandes dificuldades para se libertar da estagnação actual. O risco para a Europa é seguir o exemplo japonês, em vez do italiano.
Após a crise bancária de 1987-1989, o Japão viveu décadas de estagnação e deflação com uma elevada dívida governamental. Evitar um cenário semelhante é o principal desafio dos decisores políticos europeus durante os próximos anos.


Hans-Werner Sinn é professor de Economia e Finanças Públicas na Universidade de Munique e presidente do Instituto Ifo.
Artigo de Opinião publicado no "Jornal de Negócios" de 8 de Janeiro de 2010

© Project Syndicate, 2009.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques

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