quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A relação ética de Alteridade em Lévinas

A partir da constatação de que a compreensão de metafísica, que emergiu com os
pré-socráticos e se efectivou no desenvolvimento histórico do pensamento ocidental teve como preocupação fundamental constituir um saber sobre o ser, procuramos, na nossa tese, afirmar a possibilidade da ética como metafísica da alteridade. Na contemporaneidade, Husserl preocupa -se em incluir a alteridade na constituição do sentido da objectividade. Na sua tentativa de constituir o sentido do outro, emerge um nós constituinte. A intencionalidade egológica e solitária transforma-se em intencionalidade intersubjectiva. Heidegger fez uma crítica veemente à metafísica, acusando-a de ter esquecido de considerar o ser como a questão mais fundamental. Enunciou que a possibilidade do pensar ético seria viável à medida que se tornasse o agir na procura da verdade do ser, que garantiria ao homem, na sua existência, realizar sua essência. Levinas percebe que a prioridade do pensamento na procura de estabelecer a verdade como o ser resultou na configuração de uma ontologia, uma gnosiologia e uma forma de racionalidade, que se identificaram com os próprios temas investigados, a coerência das relações lógicas e as formas objectivas abstractas. Esse modelo de pensamento não ignorou a dimensão antropológica, mas, na obsessão pela síntese e pela objectividade, terminou nivelando as coisas e a interioridade subjectiva das pessoas, igualando e diluindo suas particularidades numa generalização neutra e abstracta. O humano tornou-se um ente entre outros entes, um ser anónimo, impessoal, apreendido pelo sujeito pensante e expresso num conceito. A corporeidade, a sensibilidade, os desejos, a dinâmica de relação com os outros, o nascer, o viver, o sofrer, o morrer do humano transformaram-se em conteúdo objectivo, sintetizado e representado num sentido puramente racional. Em vez da relação teórica abstracta na determinação inteligível do ser, Levinas prioriza a busca do sentido do humano, onde se verifica a possibilidade da relação metafísica do mesmo com o outro, sem que o outro se reduza ao mesmo, nem o mesmo se absorva na identidade do outro, mantendo, cada um, a condição de separação e a verdadeira relação de alteridade. A relação ética de alteridade torna-se lugar originário da construção do sentido e provocação eminente à racionalidade. O rosto do outro apresenta-se como apelo irrecusável de responsabilidade para com ele, que tem como medida, a des-medida do infinito. O rosto não é um ente objectivo que possa ser abordado de modo especulativo. O rosto fala e, ao proferir sua palavra, invoca o interlocutor a sair de si e entrar na relação do discurso. A linguagem tem a excelência de assegurar a relação entre o mesmo e o outro, que é transcendente em absoluto respeito à sua alteridade. O infinito se mostra na subjectividade vivente na história, que pode desejar outrem para além do sentido racional, objectivo e abstracto. Na relação com o outro, efectiva-se a possibilidade do infinito dar-se sem padecer os horrores da violência do modo de pensar entificante e totalizador. Ela faz reluzir o seu brilho como verdadeira alteridade metafísica, que nos convoca a desejar aquilo que sabemos nunca poder saciar, o desejo.

JOSÉ TADEU BATISTA DE SOUZA, in "ÉTICA COMO METAFÍSICA DA ALTERIDADE EM LÉVINAS ", UCRGS, 3 de Agosto de 2007

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